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Benfica: o hiperbólico mundo de Rafa

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Benfica: o hiperbólico mundo de Rafa
Futebol 365

Festeja golos de arromba, decisivos, com a mesma naturalidade de quem abre a porta de casa e, na realidade, constata que a porta não está avariada e que a casa não foi assaltada. Tem um talento e uma qualidade inquestionáveis que, em condições normais, o podiam ter catapultado para um nível hiperbólico. Mas Rafa prefere ser hiperbólico, excêntrico e despropositado quando fala ou então aborda algum assunto fora do magnífico desempenho que apresenta dentro de campo com a camisola do Benfica.

Se, ao longo das últimas temporadas, o jogador mais influente do Benfica foi mesmo Grimaldo, o segundo lugar do pódio é naturalmente ocupado por Rafa. E aqui há que dar todo o mérito a Roger Schmidt. O técnico alemão, quando chegou, percebeu e reconheceu as qualidades inatas de um elemento propenso à aceleração, à velocidade e, por conseguinte, sublinhou uma vantagem relevante sempre que a equipa do Benfica tem de explodir e conectar-se através de transições ofensivas. Violentas. Aliás, se o Benfica que foi campeão na época passada foi sempre uma equipa mais dada à transição e menos ao jogo em posse, tal também positivamente se deve à constatação de que Rafa, para além de fazer a diferença, é um elemento regular e com um desempenho que garante fiabilidade para quem a partir dele pretende desenhar uma estrutura de equipa.

Depois, existe um rochedo. Um extraordinário mundo apenas habitado por Rafa, onde os pássaros parecem andar de patins ou algo do género. De facto, não se entende: com o Benfica a recuperar os índices de confiança após difícil vitória em Braga e trabalhoso triunfo diante do sempre atribulado Famalicão, eis que Rafa decide reconvocar o caos e instalá-lo na recém-chegada paisagem tranquila. “É um prazer jogar no Benfica e vou ter saudades disto”, referiu, em tom de despedida. Já dizem os espanhóis: está um dia precioso até que vem alguém que o “estraga”. Tudo ao contrário, tudo aquilo que menos se poderia esperar naquele momento que pedia e pede, acima de tudo, a manutenção do cenário de tranquilidade numa equipa que, valha a verdade, tem qualidade individual para dar a volta por cima e reafirmar-se como principal candidato ao título.

Porque a resposta é, ao que tudo indica, sim. Já toda a gente percebeu que Rafa vai sair no final da temporada, da mesma forma que Coates e Taremi também terminam os seus vínculos em junho com leões e dragões. E que estão em silêncio. No caso de Rafa, teve de aparecer Schmidt (desta vez muito bem a comunicar) a colocar água na fervura e a reforçar o compromisso do jogador com a equipa, aliás como é constatável numa temporada em que tem estado a cumprir e mesmo a superar as expectativas, algo que não é propriamente fácil quando se joga numa posição em que o desequilíbrio tem de ser realizado de forma regular.

O hiperbólico mundo de Rafa parece afinar por um padrão. Já não se estranha, entranha-se. Os problemas pessoais são legítimos e respeitáveis mas não servem de escudo para tudo. Para se abandonar a seleção nacional. Até porque o ambiente estava do seu lado e Rafa preferiu desmarcar-se em profundidade: novo selecionador com novas ideias e nunca se saberia o que daí poderia advir em termos de “gosto ou não” do Rafa; e, depois, há um profissionalismo patriótico que merece ser ressalvado: Rafa no banco (a mesma situação que foi determinante para Portugal bater a Hungria no euro 2020) significa mais opções para Portugal e, logicamente, um conjunto de nuvens mais densas a pontificarem na cabeça do técnico contrário. Ou então perceber-se que ir à seleção não representa assim uma ausência tão significativa e deturpadora da vida pessoal de qualquer um.

E agora? Há um fator que limpa o software na sua totalidade. Chama-se tempo. Por muito que a comichão fique sempre saliente, certo é que estão reunidas as condições para daqui a uns dias já ninguém tocar no assunto. Até porque o jogador (que define mal dentro e fora de campo) apresenta na sua contracapa o tal quadro de regularidade que, para além de ser típico de quem é acima da média, também permita que os episódios positivos do seu jogo sejam exibidos à velocidade das suas arrancadas.

Ainda no último jogo, a ação de Rafa foi determinante. Até por uma questão contextual: mais por mérito do Famalicão de que por demérito do Benfica, os minhotos estavam galvanizados e subidos em busca de um empate que esteve perto de acontecer. No entanto, quem tem Rafa tem sempre uma arma de arremesso (transições rápidas) destinada a contrariar um legítimo atrevimento. Ou, por outras palavras, a sentenciar as partidas e a colocar os adversários no seu devido recipiente de derrota. Que Rafa é craque disso ninguém tem dúvidas.

E também é humano e a sua vontade de sair é compreensível e justificável. Com 30 anos e qualidades intactas, pode perfeitamente gerir o seu destino e entrar no último terço da carreira como bem entender. Até porque, com 81 golos de água ao peito – já para não falar das assistências – tem toda a moral do mundo para sair e ninguém o poder acusar seja do que for. A menos que o seu hiperbólico mundo dê novos mundos ao mundo da razão. Afinal de contas estavas bem era caladinho. Que vais sair já todos percebemos.

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