Abel Xavier e Costinha representaram, respetivamente, a segunda e a terceira mudança de treinador na I Liga portuguesa. Apesar de nenhum dos dois ter a formação necessária para se assumirem como técnicos principais, o que levou José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol, a considerar que não se trataram de «verdadeiros despedimentos», ambos partilham alguns aspetos que os tornam muito interessantes do ponto de vista comunicacional.
Internacionais pela selecção portuguesa, jogadores com vasta experiência internacional, excêntricos e a darem os primeiros passos na transição entre a vida de atleta e a de treinador. Quer Abel Xavier quer Costinha são personalidades que não deixam ninguém indiferente e apresentam como mais-valia óbvia enquanto técnicos a experiência que adquiriram como futebolistas de topo.
Ambos têm uma imagem consolidada – da sua própria responsabilidade, mas também fruto de estereótipos consolidados ao longo do tempo – e esta não deixou de fazer sentir a sua influência nas respetivas tentativas de afirmação, em Olhão e Paços de Ferreira. E aqui fica uma valiosa lição: uma marca, como são cada uma das pessoas em causa, não existe no vácuo, pelo que é necessário ponderar o contexto em que ela vai existir e as relações que com este vai estabelecer.
Costuma-se dizer que não há uma segunda oportunidade para criar uma boa primeira impressão. Ainda assim, esta velha frase é apenas uma meia-verdade. As últimas impressões são tão ou mais importantes que as primeiras. Abel Xavier é um caso óbvio. A conferência de imprensa dos trocadilhos com palavras terminadas em «dor» já entrou para a história dos momentos mais especiais do futebol português.
Tal como aconteceu com Paulo Futre, esta passagem para a eternidade aconteceu rotulada de «estranha», «exótica», «hilariante» ou «surreal». Mais, estas mesmas características adicionam-se à excentricidade a que aludimos anteriormente. Esta soma tem o dom de reforçar a imagem do ex-técnico da formação algarvia, dificultando, parece-nos, a sua transição para o campo dos treinadores.
Ora, esta comunicação, com estas características, é a desejada por Abel Xavier para a sua afirmação? Os eventuais clubes que o venham a contratar quererão associar-se a alguém com pouca experiência enquanto técnico principal e que, ainda por cima, está na memória de todos por motivos cómicos? Mais uma vez, porque nunca é demais relembrar, tudo o que fazemos comunica e, por razões óbvias, a gestão estratégica da marca que também somos (e daquela que queremos ser) é fundamental, sobretudo num mundo tão exposto como é o futebol. No fundo, as duas vitórias com que Abel Xavier se despediu do Olhanense serão esquecidas em favor de uma caricatura.
Passando para Costinha, o antigo jogador já foi alvo da nossa atenção num texto anterior. Na altura escrevemos que havia uma dissonância óbvia entre o perfil do então treinador do Paços de Ferreira e o histórico do clube pacense. O artigo versava sobre a importância de definir a identidade dos clubes e agir em função disso mesmo. A contestação que Costinha conheceu na formação nortenha é um perfeito exemplo da necessidade de assegurar a coerência em todas as ações de uma organização, incluindo as contratações.
O próprio Costinha reconheceu este aspeto no momento em que anunciou a demissão, dizendo ser necessário «trazer alguém que consiga motivar os jogadores, que talvez seja mais do agrado de público». É óbvio que os adeptos do Paços nunca viram Costinha como um dos seus. Este foi sempre um estranho e um estranho gera mais facilmente anticorpos.
Por fim, a passagem de Costinha pela Mata Real revelou um outro problema de comunicação, tendo este sido traduzido em quase confrontações. Neste caso, o protagonista foi o ainda presidente do Paços de Ferreira, Carlos Barbosa. A mesma pessoa que liderou o clube na sua época de sonho e que perdeu muito do crédito conquistado em menos de meio ano. Uma das razões foi a péssima comunicação que rodeou a aposta e a manutenção de Costinha, facto que deu azo a várias especulações muito pouco abonatórias (o treinador referiu-se a uma das mais significativas na hora da despedida, garantindo não ter sido «encomendado por ninguém»). Assim sendo, há uma conclusão que se pode facilmente retirar desta situação: a teimosia não é um sinónimo de liderança, sobretudo quando mal explicada.
Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.