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A comunicação como parte de pleno direito da complexidade do futebol

O sucesso de José Mourinho representou, no seio do futebol português, o triunfo de uma forma muito particular de encarar o jogo em causa. A partir desse momento, boa parte do discurso sobre futebol passou a ser feito em relação ao seu todo, de forma holística, na sua complexidade.

A comunicação como parte de pleno direito da complexidade do futebol

A ideia já andava por aí há muito, recolhendo inestimáveis contributos de pensadores estrangeiros e nacionais (de Edgar Morin a Vítor Frade, passando por Manuel Sérgio, por exemplo), mas acredito que se possa atribuir ao treinador natural de Setúbal a sua mais bem-sucedida materialização.

O exemplo de José Mourinho serviu para enaltecer alguns factos óbvios: nem o futebol é só técnica e tática nem se pode tratar isoladamente aquilo que, na realidade, está intrinsecamente ligado. Numa entrevista recente à revista Quatro Quatro Dois, o 'Special One' explicou como esta conceção se traduz na vida de um treinador.

«Para se ser um treinador de topo é necessário ter um pouco de tudo», defendeu, acrescentando que «se formos um excelente motivador, mas não percebermos o jogo, não chegamos ao topo. Se formos um grande estratega, mas não conseguirmos criar empatia com os jogadores, não conseguimos fazer nada. Se não soubermos treinar ou não tivermos uma metodologia que ajude os jogadores a melhorarem, também não nos safamos».

Ora, a comunicação é um dos elementos em relação existentes no todo complexo que é o futebol. Desde logo, um treinador tem de conseguir comunicar com o seu público interno, nomeadamente com os seus jogadores. Mas, para além disto e face à omnipresente mediatização do desporto-rei, também deve comunicar com os públicos externos – adeptos e, até, comunicação social. E deve fazer tudo isto de modo estratégico.

Por mais voltas que uma qualquer pessoa dê, esta não pode escolher não comunicar. Tudo o que fazemos e não fazemos na relação com o(s) outro(s) comporta, no mínimo, uma carga simbólica. Assim sendo, um treinador não deve desvalorizar a vertente comunicacional, muito menos desdenhá-la. Pelo contrário, deve tentar explorá-la e trabalhá-la em função da sua visão e do contexto em que está inserido. A comunicação tanto pode ser um valioso ativo como um elemento tóxico.

Curiosamente (ou não) temos assistido, com alguma regularidade, a treinadores que comunicam melhor quando estão em clubes pequenos do que quando chegam a formações com outras ambições. Esta situação acontece, de maneira mais evidente, no contacto com a Imprensa. É certo que nos primeiros a exposição pública é muito menor e que as segundas implicam um outro tipo de pressões. Ainda assim, quando ascendem a clubes maiores, esses treinadores perdem uma certa naturalidade em favor de um encerramento em si mesmos. Como consequência, a comunicação perde riqueza. Sendo certo que ser natural não chega em formações de topo, essa perda deve ser compensada com estratégia e não com a desvalorização da comunicação.

O último parágrafo foi escrito com Paulo Fonseca em mente. No ano passado, quando tudo corria bem no Paços de Ferreira, o agora treinador do FC Porto era reconhecido pelo interesse que suscitava nas conferências de imprensa. Aí falava-se de futebol e gerava-se simpatia, com o treinador a sair reforçado. Atualmente, com os últimos jogos a não corresponderem ao esperado, os encontros do técnico com os jornalistas são um palco onde desfilam lugares-comuns. Temos, neste caso, assistido a sucessivos desperdícios de oportunidades para começar a reverter a situação a partir da comunicação.

Ao contrário do que Vítor Pereira deu a entender na defesa que fez do atual técnico portista, aos microfones da TSF, o discurso não pode ser separado do «trabalho», daquele que, depreendemos pelas palavras ditas, interessará verdadeiramente. O discurso também é trabalho. O domínio do todo em relação às partes ou a impraticabilidade da sua redução metodológica em elementos isolados não podem ser apenas teorias. Retomando José Mourinho, a concretização da teoria da complexidade foi fundamental no sucesso do melhor treinador do mundo.

PS: Em coerência com o que escrevemos, os treinadores e a sua comunicação não podem ser isolados de um contexto mais amplo, nomeadamente a política comunicacional dos clubes. Sobre estas matérias já nos centramos em textos anteriores.

Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.

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