Em boa verdade, se a Premier League for conquistada pelo Tottenham, o principal argumento deste texto mantêm-se intacto: o futebol precisa de um Leicester campeão. Qualquer Leicester. Com isto quero dizer que o futebol precisa de pequenos que derrubem os gigantes. O Leicester é somente uma encantadora metáfora com ares de sinédoque. Sem eles - os pequenos - o desporto-rei perde qualquer sentido de transcendência.
A atual Premier League devia fazer corar de vergonha os cinco principais candidatos ao título inglês. Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City e Manchester United serão derrotados ou pelo Leicester City ou pelo Tottenham Hotspur. A consagração deste último será uma derrota menor em comparação com uma eventual conquista do ceptro da Premier League pelo primeiro. Ainda assim, continuamos a falar de uma derrota. Para além disto, importa não esquecer que o líder continua a ser a surpreendente equipa de Claudio Ranieri.
Contra todas as expetativas, das justificadas às infundadas, o Leicester mantêm-se no primeiro lugar do campeonato de Inglaterra a apenas quatro jornadas do seu término. O futebol não é muito elaborado: o que lhe falta em complexidade sobra-lhe em confiança. Não é o futebol que gostaria de ter na minha equipa a longo prazo, mas não enjeitaria a hipótese de viver o turbilhão de emoções que os apoiantes dos 'foxes' vão sentindo.
Para o Leicester e os seus adeptos, esta temporada vai muito além do jogo jogado. Talvez por isso meio mundo esteja a torcer por este Rocky Balboa futebolístico: num momento em que é cada vez mais difícil o aparecimento de 'underdogs', o Leicester trouxe uma expetativa de impossibilidade capaz de ganhar forma.
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Ora, se recuarmos alguns meses, a hipótese de se concretizar o milagre operado pela equipa de Ranieri fez soar os alarmes entre os gigantes endinheirados do futebol europeu, sobretudo entre ingleses e alemães. Karl-Heinz Rummenigge, presidente do Bayern Munique e da Associação de Clubes da Europa, e o magnata norte-americano Charlie Stillitano, suportado pelos cinco de Inglaterra na eminência de se verem derrotados por pequenos, vieram lançar para a esfera pública a ideia de uma Superliga Europeia. Uma competição de clubes de elite, com esta última palavra a não estar necessariamente relacionada com o mérito desportivo.
Não surpreendentemente tendo em conta o contexto existente, o objetivo derradeiro seria juntar um grupo de supostos predestinados gigantes, detentores de boa parte dos capitais do futebol, numa competição europeia capaz de substituir a corrente Liga dos Campeões. Uma competição semi-fechada, onde se chegaria por se ser rico ou por convite. O mérito dentro de campo não passaria de um pormenor para este feudo. Um futebol sem pequenos, feito para vender muito nos mercados não-europeus. Mas isto seria capaz de manter viva a transcendência do futebol? Tenho muitas dúvidas.
O fenómeno futebolístico é multifacetado, sendo vários os motivos de encanto. Há quem venere o jogo em si, há quem se deixe enlear pelo tribalismo que o futebol suscita, há quem fique fascinado com as estrelas do desporto, há quem o use como forma de expiação de frustrações.
Em todos estes motivos há uma ideia de transcendência, de superação, de aspiração. O futebol é um campo para a utopia, para a imprevisibilidade e para a emotividade. Por isso é que há tanta gente a querer ver o pequeno Leicester campeão. Por isso é que querer reduzir o futebol àqueles que vendem mais é retirar-lhe interesse, sobretudo entre os públicos mais empenhados. A quem serve um desporto onde os ‘Leicesters’ deste mundo não têm lugar?
Felizmente, a Associação das Ligas Europeias Profissionais de Futebol veio ontem recusar a criação de uma Superliga Europeia baseada em convites. «A EPFL é fortemente contra a criação de uma Superliga Europeia e qualquer formato de competição que poderia destruir o sonho básico e objetivo de qualquer das nossas centenas de clubes: competir ao mais alto nível e, possivelmente, ganhar uma competição europeia. Devemos manter o sonho vivo para todos os clubes», justificou o presidente Lars-Christer Olsson, citado pela Lusa.
Esperemos que esta posição se mantenha. Apesar da 'empresarialização' do futebol, é importante não esquecer que na génese do desporto está um «movimento intencional para a transcendência», como insistentemente tem sido referido por Manuel Sérgio. É este o principal ativo do futebol.
Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.