As aulas foram suspensas em Cabo Verde, mas a professora Adelsa Tavares não quis deixar os seus alunos surdos sem nenhuma informação sobre a pandemia do coronavírus e utiliza vários meios para tradução, tendo sido contratada pelo Governo.
Adelsa Tavares é professora na Escola Secundária Pedro Gomes, em Achada Santo António, o bairro mais populoso da cidade da Praia, onde faz tradução das aulas para língua gestual atualmente a um total de sete alunos, divididos por três turmas no período de manhã.
Por causa da pandemia do novo coronavírus, o Governo de Cabo Verde tomou uma série de medidas para evitar a sua propagação no país, sendo que uma delas foi antecipar as férias escolares da Páscoa, com previsão para arrancarem em 17 de abril próximo.
E ao ver notícias de casos de coronavírus em países próximos de Cabo Verde, como Portugal e Senegal, Adelsa Tavares disse que todos os dias esses alunos lhe perguntavam o que se estava a passar, mostrando alguma preocupação.
“Todos nós estamos preocupados, assim como eles também”, salientou a intérprete, notando que em casa as famílias nem sempre sabem como passar a mensagem e há falta de comunicação.
Daí surgiu a necessidade de fazer chegar a informação a essas pessoas, explicando que o que todos já sabem são as questões relativa à prevenção, passadas nos spots do Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), com tradução para língua gestual.
E como a televisão pública (TCV) não tem língua gestual neste momento, manifestaram interesse em saber o que se passa não só em Cabo Verde, mas também em outros países.
Incentivada por uma colega, Adelsa começou a traduzir uma brochura para língua gestual, fez uma gravação de vídeo para partilhar num grupo de pessoas surdas, que estão na cidade da Praia e em outras ilhas.
“A minha filha de oito anos fez a gravação em casa através de um telemóvel”, recordou, dizendo que além do grupo privado, publicou depois os vídeos na sua página pessoal, onde notou maior feedback, tanto de pessoas ouvintes como de pessoas surdas.
Mas segundo Adelsa Tavares, a maior preocupação são as crianças e jovens que não têm acesso à Internet para ver os vídeos, e que certamente vão ficar um pouco excluídas de toda a informação sobre a pandemia que já se alastrou a 199 países e territórios em todo o mundo.
Outro incentivo veio de Maria Alice Figueiredo, a primeira presidente da Associação Cabo-verdiana de Surdos (ACS), que no dia 23 de março criticou na sua página no Facebook a exclusão das pessoas surdas da sensibilização a respeito do novo coronavírus.
“Podemos estar a seguir as orientações, mas eles não estão porque a informação não passa e podem infetar-se e serem agentes de transmissão do coronavírus. Não se vê nenhum programa da TCV a eles dirigido”, escreveu Maria Alice Figueiredo.
E no mesmo dia, Adelsa Tavares foi contratada pelo Governo e passou a traduzir para língua gestual as conferências de imprensa dos membros do Executivo cabo-verdiano, algumas delas transmitidas em direto na Televisão de Cabo Verde (TCV).
Mas mesmo assim, a tradutora notou que “fica sempre um vazio”, porque nas peças televisivas aparece apenas a tradução das declarações do membro do Governo.
A tradução na TCV era patrocinada por um dos bancos cabo-verdianos, mas Aldesa Tavares disse que o projeto terminou em dezembro, estando à espera de uma decisão do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas para possível retoma da língua gestual na televisão pública.
“Sobretudo nestes tempos era essencial para eles, porque teriam acesso a todas as informações de Cabo Verde e de outros países, teriam mais atenção e prevenção”, sublinhou a professora, que nestes dias não tem publicado vídeos, mas garantiu que envia mensagens a todos os surdos para ficarem atentos às conferências de imprensa diárias, às 10:00 locais (11:00 em Lisboa).
De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), existem em Cabo Verde cerca de 104 mil pessoas a viver com algum tipo de deficiência.
Relativamente às pessoas surdas, Adelsa Tavares disse que vivem as suas vidas de forma normal, alguns estão na escola e a frequentar o ensino profissional, mas o único e principal problema são as barreiras de comunicação, por falta de intérpretes suficientes no país.
Cabo Verde regista cinco casos de covid-19 e uma morte, entre as ilhas da Boa Vista e de Santiago (Praia), onde foi assinalado o primeiro caso de transmissão local.
O número de mortes causadas pela covid-19 em África subiu para 94 com os casos acumulados a ultrapassarem os 3.400 em 46 países, segundo a mais recente atualização das estatísticas sobre a pandemia.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 600 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram quase 28 mil pessoas.