Cátia Jorge saiu à rua para vender roupas nas ruas de Maputo, no primeiro dia do estado de emergência em Moçambique, declarado para combater a pandemia causada pelo novo coronavírus.
Apesar dos apelos ao distanciamento social para conter a covid-19, desafia a azáfama do mercado informal do Zimpeto, dizendo que vai enfrentar “qualquer doença pelo sustento" da sua família.
O estado de emergência ainda não impõe limitações à circulação - só se houver um aumento exponencial de casos de infeção pelo novo coronavírus e, oficialmente, Moçambique estacionou nos oito casos desde sexta-feira.
Mas, mesmo que houvesse maiores restrições, seriam difíceis de cumprir.
“Ficar em casa por causa da doença não vai funcionar: a minha família depende deste negócio. Vou desafiar a doença e sair. Tenho de estar bem firme”, explica Cátia Jorge à Lusa, sentada à porta do terminal de transportes do Zimpeto, com o seu saco de roupas estendido no chão.
Viver na pobreza ou no seu limiar manda que poupanças nunca existam para quem ali vende: é 'chapa ganha, chapa gasta', do dinheiro do dia se saberá o que há para comer amanhã.
Sob um olhar visivelmente desinteressado das centenas de pessoas que entram e saem do terminal, ela promove aos berros as suas roupas, no meio de outras dezenas de comerciantes aglomerados no passeio.
“O Governo está a tentar proteger-nos, mas nós não temos como fugir disto. Dependemos disto”, frisa a comerciante, mãe solteira e a única que garante o sustento da sua família.
A proximidade entre as comerciantes contraria as recomendações relativas à prevenção da doença, assim como a falta de cuidado com o dinheiro que circula de mão em mão.
Dércia Vitorino, outra comerciante informal no local, também está consciente dos riscos e até tem adotado algumas medidas.
“Eu uso limão para desinfetar as mãos e tenho luvas. Tenho quatro filhos e todos querem comer. Estamos aqui porque não há outro sítio para onde ir, não temos bancas”, acrescenta a comerciante.
No interior do terminal do Zimpeto, há tímidas iniciativas de prevenção, que incluem a lavagem obrigatória das mãos para os passageiros e a limpeza dos autocarros, mas se o novo coronavírus estiver à solta, o risco de propagação aumenta dentro dos veículos, quase sempre apinhados.
Este é o caso, principalmente, das carrinhas de caixa aberta designadas 'my love' (meu amor)pelo facto de os passageiros serem obrigados a abraçarem-se para não caírem.
Não muito longe do Zimpeto, no Bairro de Laulane, um grupo de comerciantes informais retirados da baixa da cidade procura um espaço num mercado em construção, numa luta em que são esquecidas as recomendações básicas disseminadas pelas autoridades contra a covid-19.
“Estamos aglomerados aqui porque queremos bancas. Estamos conscientes de que está a acontecer, mas no lugar onde estamos é impossível nos isolarmos. Estamos atrás do nosso pão”, diz à Lusa Roberto Manuel Gonçalves, 32 anos.
Não há nenhum isolamento imposto, mas Roberto alude ao distanciamento social sugerido, que mais parece ser um desafio.
Ao lado dele está Abel Daniel, 43 anos, que procura também um espaço, e, mesmo temendo pela sua saúde, encontra nos lamentos dos seus cinco filhos forças para arriscar e sair à rua “em busca do pão”.
“Eu dependo do comércio para viver e, no total, somos sete em minha casa. Não tenho outra alternativa, tenho de ir às ruas na busca pelo pão”, lamenta Abel Daniel.
Moçambique passa a estar hoje em estado de emergência, por 30 dias, acrescentando a proibição de todos os eventos e o fecho de alguns estabelecimentos às medidas que têm vindo a ser tomadas para prevenir a pandemia de covid-19 (fecho de escolas, suspensão de vistos e desaconselhamento à aglomeração de pessoas).
O país conta oficialmente com oito casos registados de infeção pelo novo coronavírus, sem mortes, pelo que o Presidente da República, Filipe Nyusi, considera que as medidas a vigorar são proporcionais à situação.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou perto de 866 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 43 mil.
Dos casos de infeção, pelo menos 172.500 são considerados curados.
O número de mortes em África subiu para 196 nas últimas horas num universo de mais de 5.700 casos confirmados em 49 países, de acordo com as estatísticas sobre a doença no continente.