O responsável por uma organização não-governamental que defende o perdão da dívida africana disse hoje acreditar que a China vá adiar pagamentos, mas defendeu alterações na forma como recursos naturais servem de colateral nos empréstimos de Pequim.
Tim Jones, chefe de política da Organização Não-Governamental Comité para o Jubileu da Dívida, lembrou que, apesar de a China "não ser transparente" nas negociações sobre a dívida, está "muitas vezes disposta" a adiar o pagamento de prestações.
"Não ficaria surpreso se, em breve, a China anunciar uma suspensão da moratória para determinados países", apontou.
Esta semana, os governos africanos pediram um total de 100 mil milhões de dólares (91 mil milhões de euros) em assistência, incluindo o apoio a uma moratória da dívida externa e, eventualmente, perdão de dívidas, numa altura em que a pandemia da covid-19 levou a uma queda dos preços do petróleo e desvalorizações cambiais, ao mesmo tempo que obriga ao investimento na saúde pública e apoio às empresas locais.
O ministro das Finanças do Gana, Ken Ofori-Atta, apelou diretamente à China que alivie o peso da dívida dos países africanos, já depois de o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, ter feito um pedido semelhante aos países-membros do G20.
Questionado sobre a possibilidade de um perdão de dívida, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Zhao Lijian disse que a China "nunca pressiona países em dificuldades a pagarem".
"Resolveremos essa questão através de consulta bilateral", apontou.
Tim Jones lembrou que os empréstimos concedidos por Pequim aos Estados africanos colocam o risco exclusivamente do lado do mutuário, ou fixaram as matérias-primas como colateral, sobretudo petróleo, cujo preço afundou nos últimos dois meses, devido à pandemia da covid-19 e à disputa entre Arábia Saudita e Rússia.
O chefe de política do Comité para o Jubileu da Dívida considerou que a forma de proteger os países africanos seria negociar o colateral por uma quantidade fixa, protegendo o Estado mutuário de uma eventual desvalorização.
"Os países poderiam assim saldar a dívida com uma quantidade fixa de petróleo negociada previamente e seria Pequim a sofrer as perdas devido à queda no preço", disse.
"Infelizmente, até à data, os contratos foram todos assinados a favor do credor e não do devedor. Os governos não deveriam assinar este tipo de contratos, porque assumem o risco na totalidade", defendeu.
Segundo a universidade norte-americana Johns Hopkins, o Governo, bancos e empresas da República Popular da China emprestaram cerca de 143 mil milhões de dólares (131 mil milhões de euros) aos países africanos, entre 2000 e 2017. Os governos africanos contraíram ainda mais de 55 mil milhões de dólares (50 mil milhões de euros) nos mercados internacionais de dívida, só nos últimos dois anos.
Tim Jones apontou que a cumplicidade entre o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e os credores privados e governos estrangeiros, torna difícil chegar a um acordo que beneficie os Estados africanos, criando um círculo de endividamento perpétuo.
"Se a proposta for apenas emprestar dinheiro sem moratória no pagamento da dívida, este dinheiro não fica no país, mas é antes usado para pagar a vários credores", descreveu.
É para o resgate dessa lista de credores, que inclui bancos e fundos de investimento em Londres e Nova Iorque, mas também o Estado chinês, que os empréstimos feitos pelo FMI e o Banco Mundial aos governos de África são destinados, "assegurando assim que a crise da dívida se prolonga".
"Quando o FMI e o Banco Mundial concedem novos empréstimos de resgate no caso de uma crise da dívida soberana, esse dinheiro é destinado a credores privados e governos estrangeiros, incluindo o chinês", sintetizou.
Segundo o Comité para o Jubileu da Dívida, Angola, por exemplo, destinou quase 43% das receitas do Estado, em 2019, para pagamento de juros e amortizações da dívida externa, uma das percentagens mais altas entre os países africanos. Em comparação, Moçambique gastou cerca de 20% com o serviço da dívida.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já provocou mais de 107 mil mortos e infetou mais de 1,7 milhões de pessoas em 193 países e territórios.
Dos casos de infeção, quase 345 mil são considerados curados.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.