O primeiro-ministro cabo-verdiano afirmou hoje que o que aconteceu num hotel em quarentena na ilha da Boa Vista, com 45 novos casos de covid-19, representa uma «dura lição», assumindo «erros» e garantindo que vai «endurecer» as medidas de isolamento.
“O que aconteceu na Boa Vista é um exemplo daquilo que não pode acontecer. O Governo assume as falhas e erros que possam ter sido cometidos, apesar de ter cumprido os protocolos internacionalmente exigidos”, afirmou Ulisses Correia e Silva, numa mensagem ao país, poucas horas depois de confirmados mais 45 casos de covid-19 em funcionários do hotel Riu Karamboa, que cumpriram no seu interior 23 dias de quarentena.
No domingo, perante forte pressão dos próprios a partir do interior, as autoridades de saúde locais deixaram que os cerca de 200 trabalhadores terminassem a quarentena no hotel, passando para quarentena domiciliária.
No entanto, rapidamente surgiram relatos públicos de incumprimento dessas medidas no exterior, bem como das medidas de proteção individual no interior do hotel, que registou em 19 de março o primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus em Cabo Verde, um turista inglês, de 62 anos, que acabou por morrer poucos dias depois.
Na mensagem de hoje ao país, Ulisses Correia e Silva afirmou estar a ser “claro” ao apontar igualmente “responsabilidades” aos trabalhadores em quarentena no hotel: “Sob que tipo de protesto for, é de extrema gravidade a irresponsabilidade de promover, estimular ou incitar trabalhadores em quarentena à rebelião ou motim contra forças de segurança. Assim como foi de uma grande irresponsabilidade o não cumprimento de regras de confinamento nos quartos e as regras de distanciamento, importantes para garantir não efeitos de contágio”.
E o primeiro-ministro acrescentou: “É de irresponsabilidade ainda maior o não cumprimento rigoroso do isolamento depois da saída do hotel para as suas residências. Como resultado temos pelo menos 45 casos positivos na Boa Vista derivados da situação do hotel”.
Também por isso, em pleno estado de emergência no país, com várias limitações à circulação e ligações interilhas suspensas, o primeiro-ministro assumiu que o “caso da Boa Vista é uma dura lição para o Governo”.
“Que vai ter que endurecer as medidas e a aplicação das medidas para obrigar o isolamento durante o estado de emergência, vigiar com permanência a aplicação da quarentena domiciliária ou quarentena obrigatória em estabelecimentos apropriados, reforçar as ações de fiscalização marítima, para que nenhuma embarcação, nenhum bote, saia da Boa Vista para qualquer ponto do país”, anunciou.
Cabo Verde conta até ao momento com 55 casos confirmados de covid-19 no arquipélago, um dos quais levou à morte do doente e outro já foi considerado recuperado. Deste total, três registaram-se na ilha de Santiago e um na ilha de São Vicente.
Os restantes 51 foram registados na Boa Vista, sendo que além dos 50 naquele hotel, foi confirmado ainda em março outro caso, de uma turista dos Países Baixos.
“Nesta guerra, cada dia conta. E é difícil não cometer erros e falhas. O Governo assume os seus erros e falhas. O mais importante é continuar a fazer o bom combate até à vitória final”, acrescentou Ulisses Correia e Silva.
Admitiu ainda que o que se passou na Boa Vista “é também uma dura lição para os cidadãos”: “A violação de regras de isolamento, de isolamento social e quarentena, pode ter consequências dramáticas, que é a pessoa ficar infetada, infetar outros e sucessivamente. Infetar membros da sua família, membros da comunidade e colocar o país ainda em maiores dificuldades”.
“O Governo tem feito tudo para proteger o país e os cabo-verdianos desta crise da pandemia” da covid-19, frisou.
O governante assegurou que irá “continuar a fazer o trabalho que tem de ser feito, um bom combate, porque trata-se efetivamente de uma luta e de uma guerra muito dura”.
“Estou convencido que vamos vencer, mas, mais do que nunca, a responsabilidade individual tem um impacto muito grande no bem comum”, advertiu.
Na conferência de imprensa após a declaração ao país, o ministro da Saúde, Arlindo do Rosário, explicou que os trabalhadores que deixaram a quarentena no hotel, no domingo, fizeram-no após assinarem um termo de responsabilidade para cumprimento da quarentena em casa.
Ainda assim, admitiu que a decisão foi tomada devido à situação “tensa” no interior, apontando que um “motim estava claramente a ser esboçado” no interior, alegadamente pelos trabalhadores que queriam deixar o hotel.
“E que poderia levar a uma situação ainda mais grave”, disse Arlindo do Rosário.
Questionado pelos jornalistas, o ministro revelou que os testes aos trabalhadores só foram realizados em 11 de abril - recolhidas 196 amostras que hoje deram positivo para 45 e quatro terão de ser repetidas - ao fim de mais de 20 dias de quarentena no hotel, para “ter maior certeza” nas conclusões, tendo em conta que foram surgindo casos entre os funcionários e face ao período de incubação da covid-19.
Alvo de críticas nas redes sociais pela gestão do caso, Arlindo do Rosário garantiu que demitir-se não está em cima da mesa.
“Eu sou médico. E um médico aprendeu que trata o doente sempre, estando numa situação de doença um médico não desiste. Enquanto eu puder ser útil para o país, enquanto eu puder dar a minha contribuição de forma humilde, mas empenhada e sempre focada, irei dar", vincou.
A nível global, a pandemia de covid-19 já provocou quase 127 mil mortos e infetou mais de dois milhões de pessoas em 193 países e territórios. Mais de 428 mil doentes foram considerados curados.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.