O antigo ministro da Justiça brasileiro José Eduardo Cardozo avisou que a propagação do novo coronavírus nas cadeias brasileiras, normalmente sobrelotadas e com fracas condições sanitárias, criará uma situação incontrolável, gerando conflitos e rebeliões.
"Se eventualmente acontecer o coronavírus chegar aos presídios há a possibilidade de rebeliões, de brigas e de extermínio. A situação ficará incontrolável", afirmou à Lusa José Eduardo Cardozo, que já ocupou o cargo de ministro da Justiça e de advogado-geral da União do Brasil nos governos da ex-Presidente Dilma Rousseff.
"Agora, imagina, se eu estou numa cela lotada e alguém dá um espirro lá dentro, imagine o que vai acontecer com esta pessoa. Isto é tão elementar, tão óbvio (...). É absolutamente cruel você criar situações deste tipo, em que presos, para se defenderem, podem ter a ilusão que matando outro [preso] vão proteger-se", acrescentou.
O jurista e advogado considerou que o sistema prisional brasileiro é "desastroso" e tem problemas graves de sobrelotação e péssimas condições de higiene, que favorecem a proliferação da covid-19, causada pelo novo coronavírus.
"Nós temos uma superlotação absurda, temos péssimas condições na maior parte dos presídios brasileiros (...) Essa situação, será muito mais agravada com a questão do coronavírus. Boa parte dos presídios estão sem condições de dar um bom atendimento médico ou fazer uma deteção preventiva [da doença]", afirmou Cardozo.
Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil, o Governo central e os governos regionais suspenderam visitas e adotaram outras medidas para tentar impedir a contaminação dos presos.
O Departamento Penitenciário Federal (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, criou um painel para informar sobre casos de coronavírus no sistema prisional. Até à última quinta-feira (16), havia 51 casos confirmados e 162 suspeitas de infeção por covid-19.
A quantidade de contaminados é pequena face ao número de 755 mil presos que estavam nas cadeias do país até dezembro de 2019, mas a só na última semana os casos confirmados da doença saltaram de três para 51.
A Pastoral Carcerária, uma organização não-governamental ligada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), denunciou casos suspeitos de contágio pelo novo coronavírus não investigados numa prisão do Amazonas.
Relatos de familiares levados às autoridades pela Pastoral Carcerária afirmaram que há centenas de presos isolados com sintomas parecidos aos da covid-19 na Unidade Penitenciária de Puraquequara (UPP), na cidade de Manaus.
Por outro lado, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou numa conferência de imprensa que a situação nas prisões brasileiras está sob controlo, afirmando que as autoridades tomaram os "cuidados necessários para identificar e cuidar para que os casos sejam devidamente isolados."
Questionado sobre as precauções tomadas para evitar contaminações nas cadeias do país, Cardozo manifestou opinião contrária à do atual ministro da Justiça.
"Em celas superlotadas basta que uma pessoa tenha contato com um funcionário do presídio, que seja portador mesmo que assintomático do vírus, para ele infetar a cela toda", sustentou.
O jurista defendeu a concessão de prisão domiciliária aos presos em situação de vulnerabilidade, que fazem parte dos grupos de risco, para aqueles que ainda não foram condenados e aos que têm perfil de baixo perigo.
"Num presídio a força de proliferação do coronavírus é uma realidade (...) O melhor caminho é seguir recomendação do Conselho Nacional de Justiça e libertar presos que não trazem periculosidade à sociedade", concluiu.