Especialistas em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmaram hoje que políticas económicas e sociais irresponsáveis do Brasil colocam milhões de vidas em risco durante a pandemia do novo coronavírus.
Em comunicado, a ONU acrescentou que o Brasil deveria abandonar imediatamente políticas de austeridade que considerou serem mal orientadas e aumentar os gastos para combater a desigualdade e a pobreza exacerbada pela pandemia da covid-19.
"A pandemia da covid-19 ampliou os impactos adversos de uma emenda constitucional de 2016 que limitou os gastos públicos no Brasil por 20 anos", disse o especialista independente em direitos humanos e dívida externa, Juan Pablo Bohoslavsky.
"Os efeitos são agora dramaticamente visíveis na crise atual", completou Philip Alston, relator especial sobre pobreza extrema da ONU.
Ambos observaram que apenas 10% dos municípios brasileiros têm camas nos cuidados intensivos e o Sistema Único de Saúde (SUS), nome dado à rede pública de saúde do Brasil, não tem nem metade das camas hospitalares recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Os cortes de financiamento governamentais violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, habitação, alimentação, água e saneamento e igualdade de género", afirmaram Bohoslavsky e Alston.
"O sistema de saúde enfraquecido não está sobrecarregado e está a colocar em risco os direitos à vida e à saúde de milhões de brasileiros que estão seriamente em risco. Já é hora de revogar a Emenda Constitucional 95 e outras medidas de austeridade contrárias ao direito internacional dos direitos humanos", acrescentaram.
Os dois especialistas expressaram repetidamente a preocupação de que a política brasileira está a dar prioridade à economia em vez da vida das pessoas, verbalizada em críticas feitas as ações de isolamento social para impedir a rápida disseminação da covid-19 pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
"Não se pode permitir colocar em risco a saúde e a vida da população, inclusive dos trabalhadores da saúde, pelos interesses financeiros de uns poucos (…) Quem será responsabilizado quando as pessoas morrerem por decisões políticas que vão contra a ciência e o aconselhamento médico especializado", questionaram os especialistas consultados pela ONU.
Embora tenham feito duras críticas, Bohoslavsky e Alston reconheceram que o Brasil fez esforços louváveis para tentar diminuir o impacto da pandemia.
Os investigadores citaram a renda básica de emergência, um projeto aprovado pelo Congresso para distribuir ajuda aos brasileiros autónomos que ficaram sem rendimentos, e a implementação das diretrizes de distanciamento social das autoridades locais.
"A crise da covid-19 deve ser uma oportunidade para os Estados repensarem as suas prioridades, por exemplo, introduzindo e melhorando os sistemas universais de saúde e proteção social, bem como implementando reformas tributárias progressivas", avaliaram Bohoslavsky e Alston.
"Os Estados de todo o mundo devem construir um futuro melhor para suas populações, e não valas comuns", concluíram os especialistas da ONU.
O Brasil ultrapassou a barreira dos cinco mil mortos associados ao novo coronavírus, totalizando 5.017 óbitos e 71.886 casos confirmados desde o início da pandemia, informou o Ministério da Saúde.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 217 mil mortos e infetou mais de 3,1 milhões de pessoas em 193 países e territórios.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.