O diretor do Programa Africano da Chatham House considerou hoje à Lusa que Angola "tem sorte" por não ter reembolsos de dívida este ano, mas tem de entregar mais petróleo à China devido ao preço baixo.
"A maioria dos países africanos, como Angola, têm sorte porque muitas das emissões soberanas de dívida são recentes e não há reembolsos devidos em 2020, com exceção da África do Sul", disse Alex Vines, em entrevista à Lusa, a propósito das medidas de combate à pandemia de covid-19 no continente e das iniciativas de alívio da dívida em preparação pela comunidade internacional.
Para este especialista britânico em Angola, o país fez várias emissões de dívida em dólares nos últimos anos, tendo apenas de suportar o pagamento semestral dos cupões, os juros, e não o reembolso da totalidade da dívida, que começará a ser devida a partir de 2025, já que as emissões foram feitas a 10 anos.
"A dívida de Angola chegou a 95% do PIB em 2019, apesar de ter um orçamento com um excedente de 0,7%, por isso não é surpreendente que o Presidente Lourenço tenha apoiado o pedido, a 17 de abril, feito por vários líderes mundiais relativamente a uma moratória imediata sobre todos os pagamentos multilaterais e bilaterais de dívida até que a pandemia da covid-19 esteja controlada", explicou o académico.
Angola, acrescentou, "estava a planear uma emissão de dívida em Eurobonds este ano, mas isso agora está adiado", afirmou Vines.
O especialista lembrou que "as taxas de juro exigidas pelos investidores para transacionarem dívida angolana com maturidade em 2025 está à volta dos 23,5%", muito acima da barreira dos 10% que os analistas encaram como aceitável para os mercados emergentes.
Onde Angola está numa situação mais fragilizada é nos contratos que faz há décadas com a China, em que os pagamentos dos empréstimos são feitos em petróleo, mas indexados a um preço fixo, o que faz com que, perante a queda dos preços, o volume de petróleo tem de ser substancialmente maior.
"Pagar petróleo pelas infraestruturas é um pilar-chave da parceira entre Angola e a China, 'Modo de Angola', como é oficialmente conhecido, os empréstimos têm um preço de referência, e não um volume, por isso um colapso do preço não é bom para Angola, já que precisa de exportar muito mais para a China", explicou.
A situação é mais gravosa porque, neste contexto, "a própria China não precisa de tanto volume e as quotas da OPEP também não vão ter um impacto adicional, e por isso Angola também perde” aqui, já que “não tem a capacidade de refinação adequada internamente nem contratos de abastecimento a longo prazo”.
Na entrevista à Lusa, Alex Vines lembrou que em janeiro, uma delegação liderada pelo Ministério do Estado para a Coordenação Económica esteve na Chatham House.
“Os empréstimos suportados por pagamentos em petróleo eram contraproducentes e (…) Angola estava a planear terminar esta modalidade que é aplicada também com o Brasil e com Israel, sendo um legado da era de José Eduardo dos Santos”, defendeu.
A China, que está sob pressão para participar nas iniciativas de alívio da dívida dos países africanos, é detentora de uma parte significativa da dívida destes países, mas já disse que vai tratar do tema em relações bilaterais com cada país, não aderindo aos programas das instituições de Bretton Woods.
"Suspeito que a questão seja tratada bilateralmente, porque é assim que a China prefere, apesar de nas cimeiras com África gostar de apresentar sempre números continentais e regionais", e não especificados por país, notou o especialista da Chatham House.