A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro que permite a doação de sangue por homens homossexuais é vista por organizações como um avanço na luta LGBT e uma oportunidade de manter bancos de sangue, fortemente afetados pela covid-19.
Organizações que defendem a luta LGBT (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgéneros), consultadas pela agência Efe, celebraram a decisão do STF, que na noite de sexta-feira considerou inconstitucional a regra da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde brasileiro que proibia "homens que fazem sexo com homens" de doarem sangue durante um ano após a última relação sexual.
Num julgamento que se arrastava desde 2017 e que foi concluído na sexta-feira passada, em formato virtual, a decisão chega num momento em que os bancos de sangue no Brasil estão em níveis críticos devido ao novo coronavírus e às medidas restritivas tomadas pelos estados para combater a pandemia.
"Vivemos um tempo de tanta necessidade e tanta procura" e "não podemos banir as pessoas do seu direito de receber" e doar sangue, indicou hoje a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Género da Ordem dos Advogados do Brasil, Maria Berenice Dias.
A advogada lembrou que o juiz do STF Edson Fachin, no seu voto favorável ao fim da proibição, considerou que os critérios para a doação de sangue deveriam basear-se em comportamentos de risco - os chamados "grupos de risco" - e não na orientação sexual.
Para Maria Berenice Dias, a decisão também é um "marco importante" para o avanço do reconhecimento dos direitos LGBT do país e coloca o Brasil como "protagonista" em questões de igualdade sexual.
Desde 2011, quando reconheceu a união estável entre casais do mesmo sexo, o STF autorizou a mudança de nome de transexuais em documentos oficiais (2018), a criminalização da homofobia (2019) e, agora, anulou as restrições aos doadores de sangue homossexuais.
"O Poder Legislativo não abraça essa agenda [LGTB] e permanece inerte, sem legislar", mas "falta de lei não significa ausência de direitos", advogou Maria Berenice Dias.
O presidente da Aliança Nacional LGBT do Brasil, Toni Reis, também celebrou a decisão do Supremo e explicou à Efe que era "extremamente estigmatizado quando diziam que os gays não podiam doar sangue".
Para Reis, a decisão do STF abre uma importante porta de "solidariedade", uma vez que vários bancos de sangue no país relataram uma queda expressiva nos seus 'stocks' desde o início da pandemia de covid-19 no país, no final de fevereiro.
Hoje, a Aliança Nacional Brasileira LGTB enviou à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) um ofício no qual pediu para que sejam "revistos" os critérios adotados na seleção de doadores.
Segundo Reis, nomear "grupos populacionais como inaptos" para doar sangue leva "à sua estigmatização e tratamento desigual".
"O que está em jogo não é quem ou o que é uma determinada pessoa, mas o que ela faz", concluiu.