Os números revelam descidas nos consumos de álcool, drogas e tabaco nos jovens entre os 13 e os 18 anos, ainda assim os resultados «são maus» e podem significar dependências «num futuro próximo», defendeu o subdiretor-geral do SICAD.
A análise do subdiretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), Manuel Cardoso, e que o próprio classificou como “desmancha-prazeres” surgiu hoje em contracorrente ao tom mais otimista com que os participantes da apresentação virtual do Estudo sobre o Consumo de Álcool, Tabaco, Drogas e outros Comportamentos Aditivos e Dependências (ECATD-CAD) foram olhando para os resultados que revelam alguma estagnação nos dados face ao último estudo realizado, em 2015.
“Genericamente, e olhando para as tendências, os dados são maus”, disse Manuel Cardoso, deixando um alerta a pais, educadores, reguladores e agentes de fiscalização, mas também decisores políticos.
“Com estes resultados estamos a garantir que num futuro próximo teremos seguramente mais jogadores patológicos e dependência de jogo, não conseguiremos reduzir a dependência de drogas nem o número de mortes por overdose, teremos uma das mais altas taxas de doenças não transmissíveis e continuaremos com uma das menores esperanças de vida de anos com saúde e estaremos nos primeiros lugares mundiais, se não no primeiro, de consumo per capita de álcool e de problemas ligados ao álcool, incluindo mortes por intoxicação alcoólica”, disse.
Um em cada 10 alunos consumiu, no último ano, bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas.
Quando Manuel Cardoso defendeu que é preciso “fazer muito melhor do que isto”, João Goulão, diretor do SICAD, concordou.
“Acho que todos estamos de facto preocupados e não nos podemos comprazer com o facto de as coisas estarem paradas a níveis que ainda são preocupantes. Isto desafia-nos e interpela-nos a todos para fazermos mais e melhor”, disse referindo o desafio que se coloca ao SICAD é ter agora um “espetro de intervenção” mais alargado.
O ECATD-CAD, cujos dados preliminares foram hoje apresentados, é representativo dos alunos do ensino público entre os 13 e os 18 anos (26.319 alunos de 734 escolas) e é feito de quatro em quatro anos.
Os alunos dizem em grande percentagem que é fácil o acesso a álcool e tabaco e que estes dois produtos são não só os mais consumidos como aqueles cujo consumo se inicia mais precocemente.
João Goulão mencionou a responsabilidade nesta matéria de quem fiscaliza e Manuel Cardoso, no caso do álcool, defendeu que é necessário aumentar impostos para baixar consumos.
“Constata-se aqui que há venda de álcool a menores ou que há disponibilidade de álcool a pessoas que não têm idade suficiente e o mesmo em relação ao tabaco. A par do esforço preventivo que é um desafio para todos nós, e em particular para os serviços da saúde e da educação, há aqui desafios que são colocados às entidades que têm a responsabilidade de fiscalizar essa venda. Inquestionavelmente essa fiscalização tem que ser mais efetiva”, disse o diretor do SICAD.
Já Manuel Cardoso referiu que o aumento do imposto sobre bebidas alcoólicas, que não sofre atualizações “há dois ou três anos”, é uma questão “em cima da mesa” para “discutir com a tutela”.
“Seguramente, vai ter que ser implementada mais tarde ou mais cedo”, disse, concluindo ainda sobre a facilidade de acesso que “menor preço, maior consumo, principalmente para os mais novos”.
O álcool é a principal substância psicoativa consumida pelos jovens alunos, seguido do tabaco, segundo o estudo que adianta também os comportamentos de maior risco são limitados a uma minoria.
João Goulão defendeu também que a responsabilidade de uma fiscalização efetiva se estende ao jogo, mencionando o caso do Placard, um jogo social de apostas desportivas com idade mínima de acesso.
“Isso parece ser claramente contornado pelos próprios jovens e a fiscalização também tem uma palavra a dizer aqui”, disse.
Manuel Cardoso referiu a questão da publicidade ao jogo online e o esforço para que fosse banida ou pelo menos restringida numa fase de maior permanência em casa devido à pandemia de covid-19, ficando ausente da programação televisiva entre as 07:00 e as 22:30, o período já aplicado para exclusão de publicada a álcool.
“O que eu percebia é que às 22:31 caíam uma série de spots publicitários [de casinos online], referiu.
Sobre o consumo de drogas, João Goulão mostrou-se surpreendido pela positiva com a redução do consumo de canábis entre os mais jovens, algo que considerou inesperado.
“Eu estava à espera, e não tenho rebuço nenhum em assumi-lo, que o consumo da canábis entre os jovens estivesse a subir por força das discussões em torno da legalização da canábis, num primeiro momento para fins medicinais e depois alguma insistência na questão da legalização para uso recreativo, levando a uma previsível ou suposta assunção da inocuidade dos produtos de canábis. Apesar de tudo, estes resultados, no que diz respeito a essa variáveis, a mim surpreendem-me pela positiva”, disse.