O advogado especialista em reestruturações de dívida pública Thomas Laryea defendeu hoje em entrevista à Lusa que Angola e Moçambique não devem suspender os pagamentos da dívida soberana porque isso aumentaria os custos de financiamento.
"Quer Angola quer Moçambique receberam financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras instituições multilaterais para compensar os efeitos económicos da luta contra a covid-19, o que é a primeira linha de defesa apropriada", disse Thomas Laryea em entrevista à Lusa.
Para o advogado que foi o representante dos credores na reestruturação dos 727,5 milhões de dólares de dívida soberana emitida por Moçambique, "qualquer consideração sobre a suspensão de pagamentos de Eurobonds por parte de Angola ou de Moçambique será onerosa para estes países e vai afetar o custo de financiamento, que é crítico para eles recuperarem da crise e para regressarem ao crescimento nas suas economias".
Para o advogado, que está a aconselhar alguns credores e também alguns países africanos nas reestruturações de dívida e negociações sobre o alívio proposto pelo G20 em abril, "o desafio para todos os países é fazer 'o que for preciso', como disse o FMI, para compensar os efeitos da pandemia da covid-19, mas não se pode fazer tudo ao mesmo tempo e tentar fazê-lo pode ser contraproducente".
Assim, continuou, "é preciso uma sequência de respostas e alocação de responsabilidades entre os atores relevantes, não só a nível económico, mas também a nível social".
Questionado sobre o plano que está a ser desenhado pela União Africana e pela Comissão Económica das Nações Unidas para África, que pretende juntar a dívida desta região e usar uma grande instituição financeira para a garantir, aumentando a sua credibilidade, Laryea respondeu.
"Se 'Plano Brady' quer dizer um esforço concertado entre os setores privados e governamentais para lidar com o fardo da dívida soberana ao longo do tempo através de ferramentas voluntárias, então sim, eu reconheço que na fase de resolução da crise algumas ferramentas inovadoras e voluntárias vão ser necessárias e a coordenação entre os setores privado e governamental vai ser necessária", disse o advogado.
Criticando a iniciativa do G20 por deixar de fora países com dívidas às instituições financeiras multilaterais, como o Sudão ou o Zimbabué, Laryea defendeu que "a primeira linha de apoio financeiro aos países mais pobres vai ter de ser composta de doações ou empréstimos altamente concessionais", ou seja, com taxas de juro muito abaixo das praticadas pela banca comercial.
Na segunda fase, a seguir ao pico da pandemia, concluiu, "o governo e o setor privado vão ter de lidar com a questão da sustentabilidade da dívida que emergiu em todos os setores da sociedade, e os desafios ao pagamento da dívida dos países mais pobres vão ter de ser honestamente aferidos nessa altura".
A assunção do problema da dívida como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em abril em Washington, na quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
Em 15 de abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.
O Instituto Financeiro Internacional (IFI), que junta os credores a nível mundial, anunciou na semana passada a intenção de participar na iniciativa do G20 que propõe a suspensão dos pagamentos aos credores, entre maio e dezembro, embora sem se comprometer com os termos e sem apresentar detalhes, estimando que a dívida soberana e os juros dos empréstimos contraídos pelos países em desenvolvimento e dos mais pobres a pagar este ano rondaria os 140 mil milhões de dólares (127,8 mil milhões de euros).
Além disso, a União Africana e Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), entre outras instituições, estão a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.
Este mecanismo financeiro seria garantido por um banco multilateral com 'rating' de triplo A, o mais elevado, ou por um banco central, que converteria a dívida atual em títulos com maturidade mais alargada, beneficiando de cinco anos de isenção de pagamentos e cupões (pagamentos de juros) mais baixos, segundo a UNECA.
Outra hipótese, avançada pelo representante especial da União Africana para a resposta à pandemia, Ngozi Okonjo-Iweala, é este veículo financeiro ('Special Purpose Vehicle', no original em inglês) poder também ser financiado pelos Direitos Especiais de Saque que as nações mais ricas têm no Fundo Monetário Internacional, e que compõem as reservas do Fundo.
No domingo, o presidente em exercício da União Africana, o líder da África do Sul, Cyril Ramaphosa, defendeu que a moratória sobre os pagamentos da dívida deve ser de dois anos, e não apenas até ao final do ano, como propôs o G20.