A suspensão imediata do acordo que impede a contratação de futebolistas entre clubes da I e II Ligas, pela Autoridade da Concorrência (AdC), visa "visa prevenir as suas consequências graves e irreparáveis", disse hoje Gonçalo Almeida, ex-advogado da FIFA.
Ouvido pela Lusa, o especialista não tem dúvidas de que o acordo entre clubes dos escalões profissionais de não contratarem atletas que rescindam unilateralmente os contratos por motivos relacionados com a covid-19 configura uma violação da Constituição.
Mesmo sendo um "acordo de cavalheiros", segundo Gonçalo Almeida, a AdC entendeu como necessário acentuar a inconstitucionalidade, depois do anúncio da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, em abril.
"É claramente um acordo que viola a lei da concorrência e que, segundo a AdC, alteraria as condições normais do funcionamento de mercado, restringindo de forma grave a concorrência. Por isso, esta medida cautelar visa prevenir as possíveis consequências graves e irreparáveis que poderiam advir de tal acordo", explicou o advogado.
Gonçalo Almeida assegurou que o acordo estabelecido entre os emblemas da I e II Ligas "não tem caráter vinculativo" e que "o seu cumprimento depende apenas da vontade das partes envolvidas".
"Falamos de um acordo que não consta dos regulamentos da LPFP, não faz parte da legislação desportiva e, portanto, não tem caráter vinculativo. No entanto, se fizesse parte do ordenamento jurídico estaria ferido de legalidade, pois viola uma série de princípios constitucionalmente consagrados e, inclusivamente, do Código de Trabalho, como o direito ao trabalho, o direito de circulação dos trabalhadores e o direito à igualdade e proibição da descriminação", sublinhou o ex-advogado FIFA.
Mesmo não tendo sido mais do que um anúncio de acordo entre clubes, Gonçalo Almeida admitiu que foi a sua publicitação que levou agora a AdC a interpor esta medida cautelar.
"A AdC entendeu que era uma matéria que convinha acautelar de forma a proteger estes direitos e instrui assim a LPFP para vir a público comunicar que este acordo fica sem efeito, sob pena de uma multa diária [de seis mil euros]", destacou.
Sobre próximos desenvolvimentos, o especialista lembrou que, sendo uma decisão interlocutória, a LPFP pode recorrer, mas acredita que não o fará.
"O que se segue é a possibilidade de recurso para o Tribunal da Concorrência visando a impugnação desta medida cautelar, o que não me parece que vá acontecer, pois a LPFP sabe que está em causa uma medida que viola princípios constitucionais e do direito do trabalho", concluiu.
Na terça-feira, a AdC impôs uma medida cautelar para pôr fim ao impedimento de contratação de jogadores que rescindam contrato unilateralmente devido à pandemia de covid-19.
Em 07 de abril, os clubes da I Liga portuguesa de futebol comprometeram-se a não contratar qualquer jogador que tenha rescindido ou rescinda unilateralmente o contrato de trabalho devido à pandemia da covid-19.
"Nenhum clube irá contratar um jogador que rescinda unilateralmente o seu contrato de trabalho evocando questões provocadas em consequência da pandemia de covid-19 ou de quaisquer decisões excecionais decorrentes da mesma, nomeadamente da extensão da época desportiva", escreveu a LPFP, em comunicado. No dia seguinte, os emblemas da II Liga também assumiram igual compromisso.
Para a AdC, o veto "impõe-se perante o potencial impacto grave e irreparável de uma prática suscetível de lesar as regras da concorrência", razão pela qual foi ainda instaurado um inquérito à LPFP.
AI Liga vai ser reatada sob fortes restrições e sem público nos estádios em 03 de junho, com o encontro entre Portimonense e Gil Vicente, naquele que vai ser o primeiro dos 90 jogos das últimas 10 jornadas, até 26 de julho.