O treinador José Mourinho rendeu-se a uma postura pragmáticana na transição do Chelsea para o Inter Milão, acelerando uma adaptação eficaz ao “estilo estratégico” italiano, defendeu hoje o ex-futebolista Carlos Mozer.
“Sendo um homem que tinha vencido em Portugal e Inglaterra, penso eu, da minha pouca experiência de contacto com o Mourinho, que ele se deslumbrou com a chance de ir trabalhar para Itália. Se recuarmos um pouco no filme, o último ano de Chelsea já não foi igual aos dois primeiros”, apontou à Lusa o antigo adjunto do setubalense no Benfica.
Depois de vencer a Liga dos Campeões em 2003/04 pelo FC Porto, José Mourinho assinou pelo Chelsea em junho de 2004 e revitalizou um clube ávido pela conquista do título britânico há 50 anos, numa ligação de três temporadas completas que rendeu dois campeonatos, uma Taça de Inglaterra, duas Taças da Liga e uma Supertaça.
“Nesses dois anos iniciais foi o mesmo treinador que eu conheci, extremamente ofensivo, com grande responsabilidade nos equilíbrios defensivos e agressivo no seu jogo. Foi por isso que conquistou tudo o que foi conquistando, ao ponto de ser avassalador na Liga, fruto de uma equipa dominante, pressionante e que marcava muitos golos”, lembrou.
O autointitulado ‘special one’ acordou a rescisão com o dono russo Roman Abramovich em setembro de 2007 e só voltou aos bancos em junho do ano seguinte, tendo sido o primeiro técnico a conquistar um ‘triplete’ duas vezes, ao repetir em 2009/10 os triunfos no campeonato, na Taça e na Liga dos Campeões obtidos seis anos antes no FC Porto.
“Antes de sair de Londres, o Mourinho passou a adotar uma estratégia reativa no Chelsea e começou a preparar-se para partir para Itália. Pegou numa equipa com atletas maduros e bons, adotou uma filosofia de bloco baixo e escapada em velocidade e conseguiu ser campeão europeu em cima do FC Barcelona”, anotou Mozer.
A estada em Milão assinalou também a “perda de pessoas importantes”, como revelou a rutura da “cumplicidade” entre o setubalense e o adjunto André Villas-Boas, “fundamental na leitura dos adversários”, que quis ascender a treinador principal e deixou o corpo técnico constituído nos ‘dragões’ reduzido a Baltemar Brito, Rui Faria e Silvino Louro.
“Não encontramos pessoas de capacidade elevada nas calçadas ou nas paragens de autocarro. Essa foi a primeira perda que teve de encarar e originou um grande desfalque a nível de organização. Não ganhamos nada sozinhos na vida, mas sempre com a ajuda de membros que partilham uma ideia e são capazes de entender o processo”, alertou.
Baltemar Brito tinha deixado de colaborar desde a saída de Stamford Bridge e José Morais veio render André Villas-Boas, enquanto Rui Faria e Silvino Louro seguiram como ‘escudeiros’ de José Mourinho para o despique com o catalão Pep Guardiola nos espanhóis do Real Madrid (2010-2013), antes da cisão definitiva em solo inglês.
“Mal perdeu o Rui, teve grandes dificuldades de gestão e muito aborrecimento, porque tinha de bater de frente com um plantel inteiro. Para trabalhar com grandes clubes e jogadores, é necessário que o treinador não se exponha demasiado e tenha uma certa cortina de interlocução com os jogadores, caso contrário há um desgaste”, observou.
A perda do controlo do balneário no regresso ao Chelsea (2013-2015), abrilhantado com nova conquista da Premier League, e na aventura em Manchester United (2016-2018), distinguida pelo triunfo na Liga Europa, refletiu-se em várias altercações com dirigentes, jogadores e funcionários e encaminhou uma despedida agridoce dos dois clubes.
“O problema não está no Mourinho. Há quem durma num rótulo de grandes atletas até pararem de jogar futebol e aí surgem os grandes choques. Nenhum técnico vai preferir o pior jogador ao melhor, mas há comportamentos semanais a cumprir. Se alguém começa a enrolar, não trabalha bem e não vai jogar bem”, analisou o ex-central do Benfica.
Mozer enalteceu a “travessia do oceano de conquistas importantes em grandes palcos” do colega com quem se cruzou no Benfica, em 2000/01, admitindo que Mourinho tem “inspiração suficiente para voltar a ganhar” e seria “uma excelente solução” para herdar o legado de Fernando Santos ao leme da seleção portuguesa.