A Associação Portuguesa de Defesa do Adepto (APDA) criticou hoje a pronúncia do Ministério da Educação à providência cautelar interposta para declarar a ilegalidade do cartão do adepto, acusando-a de carecer de «fundamentação sólida».
Em comunicado, a APDA acusa o Governo de não responder às “questões concretas” colocadas pela intimação interposta há cerca de um mês e sublinha que ao Ministério da Educação “era exigido uma resposta mais rigorosa e técnica” às questões colocadas pela fundamentação “exaustiva, técnica e de elevadíssima qualidade” da associação.
“Os dados que o Ministério da Educação escolheu mostrar ao tribunal para alegadamente ilustrar o cenário de violência em Portugal não são mais do que dados por si manipulados”, acusa a APDA, argumentando que a Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) “andou a pôr o trabalho em dia” e que os dados relativos a 2019/20 apresentados pelo Governo contabilizam processos que “remontam a épocas anteriores”.
Contactada pela Lusa, a presidente da APDA escusou-se a adiantar detalhes sobre a argumentação do Governo “por uma questão de ética”, uma vez que o processo continua a decorrer em tribunal, mas considerou que “manipula os números a seu favor para fundamentar o cartão” e, ao mesmo tempo, “não explica a necessidade de criação deste instrumento em particular”.
“As palavras mais lidas nesta oposição são sanção e repressão, mas não é feita uma clara ligação de todos estes dados, que nem sequer correspondem à realidade, a uma necessidade imperativa de implementar um cartão”, referiu Martha Gens.
A presidente da APDA frisou que “não existe” na argumentação do ministério de Tiago Brandão Rodrigues “nenhum ponto que esclareça” a necessidade de implementação do cartão do adepto, limitando-se a “deitar ao ar os requisitos formais do procedimento cautelar, ao invés de contra-argumentar a matéria” apresentada ao tribunal, que é “a inconstitucionalidade da existência de um cartão do adepto”.
“O Ministério da Educação acha que o cartão do adepto não impede o apoio dos adeptos aos seus clubes, mas não foi isso que dissemos. O que dizemos é, claramente, que a criação do cartão coloca em causa liberdades de quem escolhe apoiar o seu clube como quer, como a Constituição permite que se faça e como nós queremos que continue a representar tradição, mística e valores de bancada”, acrescentou.
Por fim, Martha Gens considerou ainda “de mau gosto” utilizar o exemplo da tragédia de Hillsborough, que vitimou 96 adeptos do Liverpool, para justificar a necessidade de criar zonas especiais nos recintos desportivos.
“Uma tragédia que condenou 96 adeptos à morte e que recentemente se provou em tribunal ter sido imputada à negligência das forças de segurança. Às vezes o silêncio é de ouro e este caso é um desses exemplos. Foi preciso ao Ministério da Educação ir buscar péssimos exemplos ocorridos há mais de 30 anos em países cuja realidade nada tem a ver com a nossa para ter argumentos”, critica a APDA.
Nesse sentido, e “perante tamanha falta de fundamentação”, Martha Gens considera que “se há justiça em Portugal”, a sentença da providência cautelar imposta pelos adeptos deve “suspender de imediato o cartão”.
“Não desistimos e estamos conscientes de que o caminho ainda agora começou”, concluiu a presidente da APDA.
A portaria que regula o novo cartão do adepto, documento que visa a "promoção da segurança e do combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos" foi publicada em Diário da República em 26 de junho.
Segundo nota divulgada pelo Governo, a utilização do cartão do adepto "permite o registo e a identificação dos seus titulares para efeitos de dimensionamento e gestão do acesso às zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos".
O cartão do adepto pode ser requisitado por qualquer pessoa acima dos 16 anos, terá a validade de três anos e serve para conceder acesso a zonas identificadas nos estádios, normalmente associadas à presença de claques.
No início de outubro, segundo declarações à agência Lusa do presidente da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, Rodrigo Cavaleiro, já tinham sido emitidos cerca de 400 cartões do adepto.
Em novembro, a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto apresentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa uma intimação para declarar a ilegalidade do cartão do adepto.