O uso de proteção individual na formação é o “ajuste mais provável” às regras do International Board (IFAB) face ao risco duradouro de doenças neurodegenerativas nos futebolistas, sugeriu hoje o ex-árbitro Pedro Henriques.
“O caminho pode ser procurar criar de algum modo mecanismos de segurança no jogo enquanto o indivíduo está a fazer o seu desenvolvimento. No limite, podíamos falar da utilização de um capacete, uma máscara protetora ou algo que minimizasse os impactos dos choques”, explicou à Lusa o antigo juiz internacional da associação de Lisboa.
Várias investigações científicas sugerem que a prática de futebol profissional, a envolver incessantes atos de cabecear a bola e choques com outros atletas, pode favorecer o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas após a despedida dos relvados.
“Não quer dizer que o IFAB e a FIFA já não tenham pessoas a falar sobre o assunto. Por agora, da mesma maneira que estão preocupados em mudar uma série de coisas em relação ao videoárbitro, este tema não está a ser discutido”, alertou, aludindo à próxima reunião da entidade reguladora das regras do futebol, marcada para 05 de março.
Pedro Henriques levanta dúvidas quanto à globalização do plano de restrições ao jogo aéreo experienciado nas camadas jovens dos Estados Unidos e do Reino Unido, que depende de “provas científicas muito evidentes” e “desvirtua a natureza da modalidade”.
“Não é fácil alterar as regras do jogo numa fase de formação. Se um indivíduo chegar ao futebol profissional sem ter cabeceado em iniciado e juvenil, provavelmente vai ter uma lacuna técnica que não irá aprender aí. Nem o boxe foi por aí e vive precisamente de murros no rosto e noutros sítios. Optou por criar mecanismos de proteção”, comparou.
À parte das camadas jovens e do futebol amador, o ex-árbitro alerta para a necessidade de “as pessoas terem a consciência de que, ao entrarem num nível profissional, há que correr riscos a médio e longo prazo e algumas coisas que não dão propriamente saúde”.
“Já vai havendo alguma consciencialização de diversas instâncias nos aspetos da saúde mental associados ao desporto. Começa a ser uma preocupação, porque ouvimos casos que já existiam e muitas vezes não eram conhecidos. Não me admira que haja uma evolução cada vez maior, à medida que se for descobrindo bases científicas”, notou.
Inspirado no críquete, râguebi ou nos desportos norte-americanos, o IFAB chegou a acordo em dezembro para começar a testar a partir deste mês a introdução de substituições adicionais, caso existam suspeitas de concussão cerebral durante o jogo.
“Tem-se discutido até que ponto o futebol pode ir às substituições volantes, como no futsal. Cada vez mais há preocupações genéricas sobre tudo aquilo que se pode fazer para salvaguardar a integridade física do jogador. Neste caso, o IFAB procura sobretudo agarrar-se às leis já existentes e torná-las mais relevantes”, explicou Pedro Henriques.
Se o protocolo de concussão do râguebi ordena 10 minutos de avaliação médica fora do relvado, um futebolista pode ser assistido durante três minutos, antes de ser transportado para fora do terreno, mesmo que tenha condições para regressar de imediato ao jogo.
A nova determinação do IFAB prioriza o bem-estar do jogador sem impor desvantagem numérica à respetiva equipa, evitando novos choques no mesmo jogo e reduzindo a pressão dos médicos para acelerar o diagnóstico de perda de consciência no local.
“Se eu lesionar alguém, que tem de sair para ser assistido, se calhar eu também teria de sair. Isto para tentar reduzir de certo modo a intensidade ou impetuosidade com que os jogadores abordam muitos lances”, apontou o comentador de arbitragem, ciente de diversos futebolistas combalidos que voltam ao mesmo jogo sem estarem 100% aptos.
Após meses de análise, a substituição permanente impôs-se à alteração temporária e ficou à mercê de ser testada por confederações e federações, desde que notifiquem a IFAB e a FIFA, cumpram o protocolo médico exigido e façam uma apreciação posterior.
A aplicação dessa medida em caso de concussão oferece uma troca adicional à equipa adversária e nunca interfere com as cinco substituições em três momentos do jogo, em vigor desde maio de 2020 devido aos efeitos provocados pela pandemia de covid-19.
“Antes da covid-19, tinha sido incluída a quarta substituição no prolongamento. Esta transição para cinco alterações é temporária, mas estou convicto de que não sairá mais das regras do futebol e não voltaremos às três substituições no futuro pós-covid. É um bom caminho para poupar a integridade dos jogadores”, afiançou Pedro Henriques.