A diretora executiva da Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) alertou hoje que o efeito económico da pandemia de covid-19 deverá obrigar mais países a recorrerem ao alívio da dívida junto dos credores privados internacionais.
"Os países africanos não têm as almofadas de resiliência que tinham em 2020", explicou Vera Songwe, admitindo que "provavelmente haverá mais países que vão optar pelo enquadramento da dívida do G20".
Numa entrevista citada pela Bloomberg, a também subscretária-geral das Nações Unidas disse que o recurso ao Enquadramento Comum para o Tratamento da Dívida para além da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) acontece porque os países africanos precisam de mais verbas para comprar as vacinas contra a covid-19.
Em janeiro, o Chade tornou-se o primeiro país africano a pedir alívio da dívida nos termos acordados em novembro pelo G20, que implica que quem receba uma moratória sobre a dívida oficial, isto é, a países e instituições financeiras, tem de pedir as mesmas condições ao setor privado.
Isto implica, de acordo com as agências de notação financeira, uma alteração aos termos acordados com os credores privados, o que configura, automaticamente, uma situação de Incumprimento Financeiro, ou 'default', porque o contrato original é alterado.
Depois do Chade, a Etiópia anunciou que ia abordar os credores privados, e a Zâmbia, que foi o primeiro país a entrar em 'default' ainda no ano passado, seguiu o exemplo.
Na entrevista citada pela Bloomberg, Vera Songwe não especificou quais são os países que antevê que peçam uma reestruturação da dívida privada, mas disse que há nações menos equipadas para responder às exigências dos cidadãos e apontou que esses países são os que ficaram mais vulneráveis com a crise da pandemia.
O anúncio da Etiópia levou a uma subida dos juros exigidos pelos investidores para transacionarem os títulos de dívida, um sinal de que o mercado antevê um incumprimento financeiro, e a Fitch desceu o 'rating' deste país argumentando precisamente com a intenção de reestruturar os 'Eurobonds'.
"O mercado está à procura de lucros e não estão a ter grandes proveitos noutras geografias; esta é uma geografia onde estão a ter um bom retorno", disse Vera Songwe, lembrando o caso da Costa do Marfim, que foi duas vezes ao mercado desde novembro, e já depois de ter aderido à DSSI em junho do ano passado, com taxas de juro a rondar os 5%.
A DSSI é uma iniciativa lançada pelo G20 em abril do ano passado que garantia uma moratória sobre os pagamentos da dívida dos países mais endividados aos países mais desenvolvidos e às instituições financeiras multilaterais, com um prazo inicial até dezembro de 2020, que foi depois prolongado até junho deste ano, com possibilidade de nova extensão por seis meses.
Esta iniciativa apenas sugeria aos países que procurassem um alívio da dívida junto do setor privado, ao passo que o Enquadramento, aprovado pelo G20 em novembro, defende que é forçoso que os credores privados sejam abordados, ainda que não diga explicitamente o que acontece caso não haja acordo entre o devedor e o credor.
"Não é claro o que isso significa para os detentores de 'Eurobonds', vamos ter mais clareza quando um ou dois países avançarem, mas essencialmente quando se reestrutura uma dívida, mete-se tudo dentro do mesmo cesto", disse a economista, que passou mais de uma década no Banco Mundial antes de se mudar para a ONU, em 2017.