Mais de metade dos doentes que sobreviveram a um AVC inquiridos num estudo disseram que devido à pandemia ainda não conseguiram retomar os tratamentos de reabilitação e apenas um terço teve as consultas médicas de seguimento de "forma habitual".
Divulgado na véspera de se assinalar o Dia Nacional do Doente com AVC, o inquérito da Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos, que decorreu entre 04 e 17 de março de 2021 e contou com a participação de 823 doentes, revela “grandes dificuldades” no acesso a consultas e tratamentos de reabilitação.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da Portugal AVC, António Conceição, adiantou que já tinha sido realizado um primeiro inquérito em finais de abril de 2020, numa altura em que o país estava em confinamento devido à pandemia de covid-19, em que “o panorama era absolutamente desastroso” com 91% dos sobreviventes a não terem acesso a qualquer forma de reabilitação.
A organização decidiu repetir o inquérito este mês, com enfoque no período que vai do último outono/inverno até ao presente, “e o panorama que daí resultou foi igualmente preocupante”, disse António Conceição.
Segundo o estudo, apenas um em cada três inquiridos teve consultas médicas previstas para o seguimento após o AVC de forma habitual, 29% apenas teve acesso a teleconsulta, e 38% dos casos não teve acesso a nenhuma das formas alternativas, tendo as suas consultas canceladas ou a aguardar marcação.
Para António Conceição, esta falta de acompanhamento de consultas previstas para o seguimento após AVC (Medicina Geral e Familiar, Medicina Interna, Neurologia ou Fisioterapia) “é muito grave” porque podem ser fundamentais para “prevenir novos episódios, evitar outras complicações de saúde e enquadrar os cuidados de reabilitação adequados”.
O inquérito revela também que apenas 26% dos sobreviventes que realizavam tratamentos de reabilitação os retomaram de forma idêntica à pré-pandemia, enquanto 55% ainda não os conseguiram retomar, “apesar de, supostamente, desde maio do ano passado as clínicas estarem abertas e os hospitais prestarem os ‘cuidados normais’”.
Houve ainda 19% dos inquiridos que fizeram menos tratamentos de reabilitação, considerados pelos sobreviventes como "o principal medicamento".
Estes dados são “particularmente gravosos” dada a grande importância que os cuidados de reabilitação (fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional) têm no AVC, uma doença que causa cerca de 25 mil internamentos por ano e é a maior causa de incapacidade em Portugal, atingindo todas as idades e deixando múltiplas sequelas.
De acordo com o estudo, 41% dos inquiridos que beneficiam ou beneficiavam destes tratamentos dizem ter agora maiores dificuldades na movimentação e/ou comunicação do que antes deste período.
Estes resultados mostram que “as clínicas de reabilitação têm uma capacidade reduzida face ao que tinham anteriormente” e que continuam as dificuldades de transporte, dificuldades de acesso às credencias para ter acesso às consultas, entre outras, disse António Conceição, sobrevivente de AVC.
Nos meses após o AVC - alertou - “cada semana de espera ou de paragem não deixará de afetar significativamente a funcionalidade recuperada e a qualidade de vida do doente, com custos incalculáveis para o bem-estar físico e mental de todos os envolvidos, e mesmo financeiro, inclusive com reflexos no próprio Estado”.
“De facto não se vê luz ao fundo do túnel porque a falta continuada de uma estratégia que permita uma reabilitação eficaz, coordenada e multidisciplinar (…) tem consequências desastrosas na saúde e na funcionalidade dos sobreviventes de AVC”, alertou o responsável, que já deu conhecimento dos resultados ao Governo.