O Brasil fracassou na resposta ao impacto que a pandemia de covid-19 teve na educação no país, deixando milhões de alunos com pouco ou sem acesso à escola, frisaram hoje organizações não-governamentais (ONG).
A Human Rights Watch (HRW) e a Todos pela Educação destacaram, em comunicado, que mais de um ano após os governos regionais fecharem as escolas devido à pandemia de covid-19, o Ministério da Educação do Brasil ainda precisa urgentemente de aumentar o apoio aos estados e municípios para garantir a educação à distância, incluindo o ensino ‘online’, e um retorno seguro às escolas.
“O fechamento de escolas teve maior impacto sobre crianças em situação de maior vulnerabilidade económica”, disse Anna Livia Arida, diretora adjunta da HRW no Brasil.
“O Governo precisa colocar a educação no centro de seu plano de recuperação da covid-19, restaurar o orçamento da educação e utilizar os recursos disponíveis para garantir que milhões de crianças e adolescentes, especialmente aqueles com maior risco de abandono escolar, possam estudar”, acrescentou.
As ONG citaram dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que apontam que o Governo brasileiro falhou em garantir o direito à educação para mais de 5 milhões de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos em 2020, a pior situação em duas décadas.
Segundo a Unicef, mais de 4 milhões de crianças e adolescentes brasileiros, embora matriculados em escolas, não tiveram acesso ao ensino à distância ou a aulas presenciais em 2020.
O fecho das escolas afetou crianças e adolescentes de forma desigual, com maior impacto sobre negros ou indígenas e de famílias de baixo rendimento.
“A interrupção prolongada das aulas presenciais por conta da pandemia está causando um retrocesso profundo e cruel na educação brasileira, com graves repercussões na desigualdade educacional, no aprendizado escolar e no sistema de proteção alimentar, física e sócio emocional de milhões de crianças e jovens”, afirmou Priscila Cruz, presidente executiva da Todos Pela Educação.
Uma comissão da Câmara dos Deputados do país, que acompanhou os investimentos e despesas do Ministério da Educação em 2020, constatou que houve “uma queda abrupta e inexplicável do fluxo dos recursos federais em diferentes áreas da educação, em um ano em que o orçamento federal da educação deveria ser revisto para dar conta dos novos desafios, como conectividade dos estudantes e implementação dos protocolos de biossegurança”.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) alertou que, globalmente, o fecho de escolas, juntamente com a queda no rendimento e perda de empregos nas famílias, quase certamente levarão a uma taxa mais alta de evasão escolar, mais trabalho infantil, maior insegurança alimentar e maior exposição à violência.
No Brasil, menos de um quarto de todos os alunos dedicou três horas ou mais por dia às atividades escolares em setembro do ano passado, segundo um estudo realizado por diferentes organizações não-governamentais.
A HRW e a Todos pela Educação avaliaram que há poucas possibilidades de a situação melhorar sem o apoio do Governo central, mas o Ministério da Educação deixou de gastar o dinheiro já previsto no orçamento para projetos que poderiam ter ajudado a minimizar as consequências da pandemia.
O Ministério da Educação tinha para a educação básica um orçamento de 48,2 mil milhões de reais (7,8 mil milhões de euros) para 2020, mas gastou apenas 32,5 mil milhões de reais (5,1 mil milhões de euros), o menor valor em uma década, segundo a Todos pela Educação.
A pasta da educação também reduziu verbas do Programa Educação Conectada, voltado à universalização do acesso à Internet de alta velocidade na educação básica.
Segundo a Câmara dos Deputados, apenas 100,3 milhões de reais (16,2 milhões de euros) foram empenhados neste programa, menos da metade dos recursos efetivamente utilizados no ano anterior.
“A pandemia de covid-19 afetou a educação de milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo, mas a resposta desastrosa do Governo brasileiro a ela piorou dramaticamente seu impacto sobre os brasileiros”, concluíram as duas ONG.
O Brasil é o país lusófono mais afetado pela pandemia e um dos mais atingidos no mundo ao contabilizar 482.019 vítimas mortais e mais de 17,2 milhões de casos confirmados de covid-19.
A pandemia de provocou, pelo menos, 3.775.362 mortos no mundo, resultantes de mais de 174,7 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
A doença é transmitida pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.