A escassez de combustíveis em bombas de gasolina no Reino Unido registada nos últimos dias é uma consequência da falta de camionistas, uma situação crónica que resulta de uma combinação de fatores e não apenas do 'Brexit’.
O alarme foi dado ainda no início de junho pela Associação de Transporte Rodoviário britânica [Road Haulage Association, RHA], quando urgiu o Governo a atuar perante o “nível de crise” que começava a observar-se.
"A recuperação da covid-19 está a aumentar a procura nas cadeias de abastecimento, o impacto já está a ser sentido (…). A recuperação está a agravar a escassez já existente”, alertava.
Em agosto, começou a ser noticiada a falta de produtos, como batidos de leite na cadeia de ‘fast food' McDonald’s, enquanto a Nando’s fechou alguns dos seus restaurantes por falta da principal matéria prima da rede de restaurantes especializada em frango.
Nos supermercados britânicos, há várias semanas que é comum encontrar prateleiras vazias devido aos problemas de logística de transportes.
Antes da pandemia, a RHA estimava faltarem cerca de 60.000 condutores de pesados no Reino Unido, mas atualmente calcula que o número se aproxime dos 100.000.
O Reino Unido não é um caso único, e a preocupação é partilhada por outras organizações internacionais, como a International Road Transport Union (IRU), associação mundial do setor.
A Transport Intelligence publicou recentemente um estudo que identifica a Polónia como o país com mais vagas por preencher neste setor, quase 124.000, enquanto na Alemanha se aproximam de 50.000 e em França de 43.000.
"O Reino Unido está numa posição particularmente difícil, pois não está apenas a sofrer com o ‘Brexit’, mas também viu muitos trabalhadores europeus deixarem o país durante a pandemia, à medida que aumentavam os receios com os confinamentos”, refere o estudo.
Muitos poderão não regressar ao Reino Unido, e aqueles que não têm estatuto de residente precisam de um visto de trabalho porque o ‘Brexit' tornou o recrutamento na União Europeia mais difícil.
A escassez de camionistas no país também é um resultado da interrupção de dezenas de milhares de exames de condução durante a pandemia, da aposentação de muitos profissionais, cuja idade média é 55 anos, ou da mudança de regras nos contratos dos motoristas para evitar a evasão fiscal.
Há ainda as condições de trabalho, como turnos longos e noturnos que afetam a vida social e familiar, o que fez alguns condutores profissionais mudarem de carreira ou para as entregas ao domicílio.
“A covid pôs muitos motoristas a pensarem sobre a sua qualidade de vida”, disse Richard Burnett, presidente da RHA, ao jornal The Guardian.
Nos últimos dias, o Governo britânico anunciou uma série de medidas, incluindo a mobilização de 150 condutores militares para ajudarem no transporte de combustíveis e o prolongamento da validade de licenças para conduzir camiões-tanques.
Outras decisões incluem o aumento da capacidade para realizar testes, a simplificação dos exames, a criação de “campos de treinos” para novos camionistas e o envio de um milhão de cartas para encorajar antigos condutores de pesados a voltarem à profissão.
A mais destacada foi a emissão de 5.000 vistos temporários para estrangeiros, uma inversão de marcha na posição do Governo, que argumenta que mão-de-obra barata rebaixa o mercado de trabalho britânico.
Mas organizações consideram que a medida “é demasiado insuficiente e demasiado tardia”, e a Câmara de Comércio Britânica comparou-a a “mandar um dedal de água para [tentar apagar uma] fogueira".
A Associação do Transporte Rodoviário concordou que "mal arranha a superfície", e que oferecer vistos apenas até a véspera de Natal "não será suficiente para ser atrativo para empresas ou para os próprios motoristas".