O psicólogo Miguel Lucas admitiu hoje que o sucesso pode ser mais penoso para um atleta do que o insucesso, à margem de uma conferência sobre a saúde mental no desporto, em Lisboa.
Miguel Lucas foi um dos oradores da ação que se seguiu à antestreia da curta-metragem “72 horas antes”, sobre os três dias anteriores à prova de triatlo olímpica de Pequim2008, na qual Vanessa Fernandes conquistou a medalha de prata, atrás da australiana Emma Snowsill, já com o diagnóstico de depressão.
No seu depoimento, a antiga triatleta admitiu que, na transição da bicicleta para a corrida, ficou para trás, como que arranjando uma “desculpa”, porque já tinha descartado a vitória, mas tinha a certeza que chegaria ao pódio.
“Entre o sucesso e o insucesso, venha o diabo e escolha. O receio do sucesso e saber lidar com o sucesso, quando está a causar sofrimento, pode ser bem pior do que o insucesso, porque há mais exposição. Normalmente são mais conhecidos, já chegaram ao topo, têm uma nação a olhar para eles e, muitas vezes, têm expetativas de retorno financeiro”, explicou Miguel Lucas, em declarações à agência Lusa.
O psicólogo reconheceu que “é quase um sentimento perverso para um atleta de elite querer livrar-se do caminho e da caminhada que os fez chegar ao topo e ao sucesso”, numa situação comum ao resto da sociedade.
“Não difere muito dos outros setores de atividade, mas, muitas vezes, dilui-se porque nem sempre há exposição pessoal e o atleta é a sua própria Marca e fica mais vulnerável à crítica. O atleta pode colocar-se mais em causa e até ter sentimentos de vergonha”, referiu.
Miguel Lucas recordou o pedido de desculpas da judoca Rochele Nunes, após ter sido nona na competição de +78kg dos Jogos Olímpicos Tóquio2020, após perder a cubana Idalys Ortiz, líder mundial e múltipla medalhada em Jogos Olímpicos, com ouro em Londres2012, prata no Rio2016 e bronze em Pequim2008.
“Para chegar ao ponto de pedir desculpa a um país, teve, realmente, peso na sua autoestima”, vincou o psicólogo.
Depois de ter partilhado a palestra com Pedro Almeida, antigo psicólogo do Benfica, a ex-futebolista Carla Couto e o judoca Célio Dias, Miguel Lucas defendeu uma maior proximidade dos profissionais deste setor com as equipas técnicas.
“As entidades desportivas devem ter a noção de que a preparação psicológica, a preparação metal, têm de estar de mãos dadas com a preparação técnica. Os psicólogos ou preparadores mentais têm de estar no terreno e aconselhar o próprio treinador qual a melhor forma de abordar alguns temas ou como se pode exigir mais aos atletas”, advertiu.
De acordo com este profissional, “os sinais de alerta são a aversão à competição”.
“Não pelo receio de um mau desempenho, mas só por estar lá. Quando o atleta já tem receio de ir brilhar é a bandeira vermelha de alerta”, sublinhou.
Entre as situações associadas a desportistas ou antigos desportistas, Miguel Lucas apontou a “ansiedade, a personalidade de estado limite, com violência contra si próprio ou automutilação, mas também comportamentos inadequados de escape, como a droga, o álcool e o jogo”.
“Esses são os casos mais graves, mas também coisas muito simples, como o afastamento, notado com a desmotivação, o isolamento e com menos energia. O que parece normal, por vezes, é um transtorno mental”, rematou.