Não há nada pior para desmerecer uma pessoa, uma família ou até uma instituição do que não assumir com verdade a sua origem, com tudo se agravando quando, mesmo caso possuam, ignoram, escondem e/ou até procuram adulterar as suas legitimas “certidões de nascimento”.
É o que aconteceu (e ainda acontece) com o Clube Desportivo Santa Clara.
Outra vez este assunto, dirão uns; as que forem necessárias, digo eu!
Já em 1948, na disputa do campeonato “do quem é o mais antigo” com o Clube União Sportiva, o Santa Clara fora publicamente vexado na vitrine da antiga “PEPE” por ocasião do dia das montras, obrigando-se a alterar o “Fundado em 1920” que até ali exibia no seu papel de ofício (Fig. 1), pelo “31 de Janeiro de 1921” em que alguns insistem, apesar de cabalmente esclarecidos. Um 31 de Janeiro de 1921 que tornou a emenda pior que o soneto, pois acrescentou mais detalhes e, com eles, maior exposição ao ridículo, porque, não “batendo a bota com a perdigota”, ficou mais fácil desmontar a farsa levada à cena com a euforia da vitória do Campeonato da época 1948/49, um título de Campeão que já não acontecia desde a época 1939/40.
Em abono da verdade deve acrescentar-se que a farsa, apesar das suas ridículas incongruências, onde o 31 de Janeiro, desde 1935 até então só e apenas data do aniversário da “nova sede” (Fig. 2) passou a figurar como adereço de cenário principal, apesar de tudo esteve em cena desde 1949 até meados da década de 80 do mesmo século, sem quase que se desse pela bastarda ficção com que fora engendrada!
A escolha do ano de 1921, que basta um pouco de conhecimento do fenómeno desportivo à época para logo se concluir da impossibilidade da fundação do CDSC ter ocorrido naquele ano, sobretudo quando, também ficcionando, a farsa refere ter sido o Tenente Joaquim de Sousa, em 1921 ainda Alferes, vejam só (Fig. 3), o primeiro presidente do CDSC, ajuda a desmistificar a mentira que insistem em propalar.
Tudo leva a crer que o “meio termo” conseguido com o “31 de Janeiro de 1921” mais não pretendeu do que contentar o CUS, que assim, embora apenas por 30 dias, pois é 1 de Janeiro de 1921 a data da fundação dos “verdes de Ponta Delgada”, reganhou o devido estatuto de “o mais antigo”, sendo que o mesmo 1921 permitia o Santa Clara posicionar-se na dianteira de outro campeonato “do quem é o mais antigo”, desta feita frente ao Lusitânia, fundado a 22 de Julho de 1922, e já então (1949) a brilhar desportivamente.
Nota: Na imagem acima é possível ler um excerto de uma carta recebida na Associação de Futebol a 12 de Maio de 1927, enviada pela Direcção Interina, dando conta da fundação recente do CDSC e da sua pretensão de inscrição naquele órgão.
De trapalhada em trapalhada o equívoco chegou recentemente ao provecto “A Bola” que, ironizando com o “para uns em 1921 para outros em 1927”, acresce a confusão quando o autor da mais de meia página do dia 26/10/21, António Simões, dando largas à sua criatividade, relaciona “a honra” do Santa Clara passar a ser a delegação nº5 do Benfica com a forma como fora recebido por aquele clube de Lisboa quando, em 1935 (Fig. 4), tornando-se na primeira equipa açoriana a fazer uma digressão por Portugal, também jogou com o Benfica.
Pior, como se a trapalhada já não estivesse instalada com a data, António Simões encena outra peça cómica: a da exigência feita pelo Benfica para retirar do emblema do CDSC o leão, passando a adoptar como insígnia uma quase cópia do símbolo do Benfica.
Credo! Como se já não bastassem os teimosos da data, agora, de fora, quase querem montar, quiçá impor, outra farsa!
Vamos então aos factos (pois tal como na questão da data é com factos que se “matam as mentiras”):
1. A data
Passado que já está o tempo da ignorância (do qual eu próprio fui vítima e nele alinhei), conhecidos, publicados e colocados à disposição de quem quiser os documentos que provam que o Clube Desportivo Santa Clara foi fundado em 1927 e não em 1921 (ou 1920, como diziam até 1948, antes do “União Sportiva” obrigar a inventarem nova mentira), três datas podiam ser consideradas como a de fundação do CDSC: 12 de Maio de 1927, quando, por aclamação, a título interino, ficou indigitada a primeira direção do CDSC, cuja grande missão foi tratar da redacção dos Estatutos que haveriam de reger o Clube (Fig. 5); 21 de Junho de 1927, não por acaso (digo eu), data para que foi marcada a Assembleia Geral que haveria de aprovar os Estatutos (Fig. 6), em meu entender a mais adequada, até pelo simbolismo que lhe acrescenta o Solstício de Verão; ou 29 de Julho de 1927, dia da aprovação e obtenção pelo Governo Civil do Alvará que resultou da validação dos Estatutos, data esta já consagrada, embora a “panos de água quente”, nos actuais Estatutos do CDSC (Fig. 7) como a da fundação formal do CDSC.
Como é sabido, antes do Clube Desportivo Santa Clara existiram mais uns quantos “Santa Claras”, desde os “Santa Claras das lojas”, que entre 1917 e 1922 disputaram entre si os “Campeonatos de Santa Clara”, até ao Santa Clara Foot-ball Club (Outubro de 1922 / Março de 1927) e ao Sport Club Santa Clara (Março de 1927 /Junho de 1931), que precederam o Clube Desportivo Santa Clara como clubes federados na Associação de Futebol de Ponta Delgada (ao tempo, Associação de Futebol de São Miguel).
Ignorar a história e adulterar, ou apenas não cumprir o já estipulado como verdadeira “Certidão de Nascimento” do CDSC, é só e apenas contribuir para a confusão, que pode ser sempre acrescentada, como o foi recentemente o caso, no artigo de “A Bola”.
2. O Benfica
A digressão do Santa Clara a Portugal, onde disputou uma série de jogos com outras tantas equipas, entre as quais o SLB, em jogo que perdeu 11/2, aconteceu a Maio de 1935, pouco mais de quatro meses tinham decorrido após o 31 Janeiro em que foi inaugurada a “Nova Sede” (Fig. 8), data que por tal ficou erradamente associada à “inventada” data da fundação do Clube.
O CDSC equipava então de vermelho e branco, mas às riscas horizontais (Fig. 9), tal como o Sporting Clube da Horta, e, claro, tinha um leão ao peito, pois era este o seu emblema (Fig. 10), competentemente descrito em termos heráldicos nos Estatutos de Fundação, a 21 de Julho de 1927.
Contrariando o que o Sr. António Simões escreveu, a nomeação do CDSC como Delegação do SLB só aconteceu em Outubro de 1945, num processo apadrinhado pelo Tenente Joaquim Rosado Charrua, então muito próximo dos dirigentes do Benfica e que por aquela altura estava a cumprir serviço militar em Ponta Delgada, chegando a ser preparador físico do CDSC (Fig. 11).
3. O Leão
A origem do leão no emblema do Santa Clara, simbolismo que só por si em termos heráldicos tem elevado valor, a estar associado a algum clube, seria mais ao “Marítimo da Madeira”, em 1927 “Campeão de Portugal” em título.
Por outro lado, contrariando novamente o Sr. António Simões, a alteração do emblema do CDSC que retirou o leão para adoptar um similar ao do Benfica, aconteceu em finais da década de 50, quando começou (o que depois até se tornou frequente) a vinda da equipa de hóquei do Benfica a Ponta Delgada.
Foi um processo pouco pensado e discutido, até mesmo na forma como ficou incorporado nos Estatutos do Clube.
Teve grande influência nesta alteração o então período desportivamente muito frutuoso do SLB, mas também a presença na sua direcção de Duarte António Borges Coutinho, que depois haveria de presidir o Benfica, individualidade muito bem relacionada em São Miguel.
Concluindo: por favor, já basta de confusão. Sejam responsáveis!
Pdl, 30/10/2021
João Pacheco de Melo
Fig.1 - Cabeçalho do Papel de Ofício do CDSC usado antes da "invenção" do "31 de Janeiro de 1921".
Fig.2 - Anúncio publicado no Correio dos Açores de 30 de Janeiro de 1936 anunciando o evento comemorativo do 1º aniversário da "Nova Sede" (hoje entretanto semi deserta, na Rua Comandante Jaime de Sousa, 21)
Fig. 3 - Foto publicada no Correio dos Açores de 28 de Maio de 1922, onde se pode ver a equipa da Terceira então convidada para vir defrontar a equipa principal do Instituto de Educação Física (equipamento listado) na qual ainda jogava o então Alferes José Joaquim de Sousa (em destaque), que mais tarde ainda iria passar pelo Clube União Sportiva, antes de vir a ser o "Instrutor" do primeiro Santa Clara que se haveria de federar na Associação de Futebol, o Santa Clara Foot-ball Club, cuja apresentação ao público aconteceu a 8 de Outubro de 1922 no Campo Açores.
Fig. 4 - Anúncio publicado pelo Club União Sportiva no Diário dos Açores de 25 de Maio de 1935, saudando o Santa Clara por ocasião da sua chegada a Ponta Delgada após a primeira digressão de um clube açoriano a Portugal.
Fig. 5 - Página 181 do I Volume do "História do CDSC - As primeiras duas décadas", referindo os cinco elementos da 1ª Direcção (interina) do CDSC.
Fig. 6 - Primeiro parágrafo da primeira folha do Livro de Actas nº 1 da Assembleia Geral (21 Junho de 1927), onde estão manuscritos os Estatutos de Fundação do CDSC.
Fig. 7 - Actual redação do artº 1º dos estatutos do CDSC, onde lá está, quase "a medo": " (...) e formalização legal em 29 de Julho de 1927, (...)"
Fig. 8 - Anúncio publicado no Correio dos Açores de 31 de Janeiro de 1935 convidando os sócios para a Inauguração da "Nova Sede".
Fig. 9 - Equipa do CDSC em traje de gala, foto tirada antes da viagem a Portugal efectuada em Maio de 1935.
Fig. 10 - Emblema original do CDSC, usado até finais da década de 50 do século XX.
Fig. 11 - Equipa do CDSC da época 1946/47, nela destacando-se o antigo jogador e prestigiado capitão José Serão, então a treiná-la e o Tenente Charrua (a quem se deve a ligação oficial ao SLB) como Preparador Físico.