O ex-presidente brasileiro Fernando Collor considerou "exageros" as acusações feitas contra o atual mandatário, Jair Bolsonaro, por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a pandemia e afirmou que o país banalizou os processos de 'impeachment'.
Em entrevista à Lusa, Fernando Collor de Mello (1990-1992), que foi sujeito a uma destituição na década de 1990, é hoje senador pelo estado do Alagoas, criticou o momento pandémico em que a CPI foi instalada no Senado brasileiro e avaliou que tudo não passou de um esquema para atingir o Presidente da República e fazê-lo passar por um processo de destituição.
Em causa está uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que ao longo de seis meses investigou alegadas falhas e omissões do executivo na gestão da pandemia, e que concluiu que Bolsonaro cometeu nove delitos, entre eles prevaricação, crime de responsabilidade ou crimes contra a humanidade.
"A CPI da pandemia foi criada com um único objetivo: No começo era velado, depois ficou desvelado, e esse objetivo era o de atingir o Presidente da República e de criar condições para levá-lo a um afastamento do cargo, e isso ela acabou não conseguindo", disse.
"Ficou tudo na base de terceiro e quarto escalão, de pequenos vigaristas que tentaram se aproveitar de uma pandemia, pessoas externas ao Governo, e, em relação ao Presidente da República, não ficou absolutamente nada comprovado, muito menos com algum indício forte de que ele tenha cometido algum equívoco, fora esses exageros de genocídio, de que não tomou conta do processo de vacinação", acrescentou o senador, fiel apoiante de Bolsonaro.
A versão final do relatório da CPI, com 1.279 páginas, contém 80 pedidos de indiciamento: dois contra empresas que firmaram contratos com o Ministério da Saúde (a Precisa Medicamentos e a VTCLog) e 78 contra pessoas, entre o próprio chefe de Estado, ministros e ex-ministros do atual Governo, deputados, empresários, médicos, funcionários públicos, um governador, entre outros.
Os indícios de inúmeras irregularidades encontrados pela Comissão vão desde a defesa de fármacos ineficazes contra a doença por parte do Governo, até possíveis casos de corrupção na negociação de vacinas.
Contudo, para Fernando Collor de Mello, o atual Presidente está isento de culpas nas mais de 612 mil mortes e 22 milhões de infeções que a covid-19 já provocou no país, desvalorizando as polémicas declarações de Bolsonaro em que criticou vacinas e se opôs ao isolamento social e ao uso de máscaras.
"Acho que não [Bolsonaro não contribuiu para o agravamento da pandemia]. A própria OMS [Organização Mundial de Saúde] chegou a dizer, lá no começo, que não era preciso usar máscaras (...), dizia também que as crianças poderiam, sim, ir para as salas de aula, que não haveria problemas. Isso quer dizer que ele [Bolsonaro] agiu de má-fé? não! Isso quer dizer que ele estava a lidar com os dados de uma pandemia que ninguém conhecia, mas nem sempre a gente acerta num momento como esse", avaliou.
"O Brasil é já hoje o segundo país do mundo em vacinação, em números proporcionais à sua população. Já ultrapassamos (...) os Estados Unidos. Isso demonstra que, apesar dos atropelos iniciais, próprios do enfrentamento de uma pandemia que nunca ninguém tinha ouvido falar, e que pegou o mundo desprevenido, incluindo a OMS, o Brasil teve um atropelo natural, como vários outros países, mas finalmente conseguiu sair da crise mais aguada e hoje damos mostras de que a pandemia, se Deus permitir, está nos deixando", acrescentou.
Collor de Mello, o primeiro Presidente eleito diretamente por voto popular na "nova República" do Brasil e que foi alvo de um processo de destituição no final de 1992, acredita que não há motivos para afastar Bolsonaro do cargo, nem mesmo após os cerca 140 pedidos de 'impeachment' que foram entregues na Câmara dos Deputados contra o atual mandatário.
"Não, acho que não há nenhum motivo para isso. No Brasil, infelizmente, o processo de 'impeachment' virou um lugar comum e as pessoas utilizam-se desse instrumento, que deveria ser utilizado somente em último caso, para um crime de responsabilidade muito sério, muito grave e que ficasse realmente comprovado, e no Brasil isso não vem sendo seguido", disse.
"No Brasil, não é dada a seriedade devida a esse 'instituto do impeachment' e a prova disso, mais uma vez se dá, quando já há mais de 100 solicitações de diversas frentes pedindo o afastamento do Presidente da República sem nenhum culpa formada. Nós precisamos é de respeitar os resultados das urnas", frisou.
Na história do Brasil pós-ditadura militar, dois Presidentes passaram por processos de destituição: o próprio Fernando Collor, que acabou por renunciar ao cargo em 1992, após 29 pedidos de 'impeachment' em 30 meses de Governo, e Dilma Rousseff, que foi destituída em 2016, depois de 68 solicitações protocoladas, em 67 meses no poder.
Para Collor, que foi acusado de corrupção pelo próprio irmão, Pedro Collor de Mello, e renunciou ao cargo presidencial antes do processo de destituição contra si ter sido concluído, a população terá uma nova oportunidade em 2022, anos de eleições, para aprovar ou reprovar a recandidatura de Bolsonaro.
"O Presidente foi eleito para um mandato de quatro anos e deve cumpri-lo de acordo com o que decidiu a população em 2018 e agora, no processo de reeleição, vai voltar a colocar o seu nome à disposição do eleitorado brasileiro, que terá condições de aprová-lo ou desaprová-lo", concluiu o senador em Brasília.