O português Nelson Monte, dos ucranianos do SC Dnipro-1, chegou no sábado a Portugal, depois de três dias de viagem, deixando para trás amigos e companheiros de equipa na sequência da guerra que atinge o país.
Depois de ter conseguido transpor a fronteira para a Roménia, o jogador natural de Vila do Conde conseguiu um voo para a Áustria e outro para Lisboa.
No aeroporto Humberto Delgado, a família estava à espera. O voo, cuja aterragem estava prevista para às 22:20, até chegou 25 minutos mais cedo. Nelson Monte cruzou a porta das chegadas às 22:31 e os dois filhos correram-lhe para os braços. A viagem tinha, finalmente, chegado ao fim.
À conversa com a imprensa, o defesa, de 26 anos, falou de todas as dificuldades que teve na viagem, os receios e os momentos que o marcaram: à saída de casa e, depois, junto à fronteira com a Roménia.
“Estou bem. Vi muita coisa que me vai marcar para o resto da minha vida. Quando as bombas explodiram junto ao apartamento e fui para o carro e vi a quantidade de famílias a correr com crianças e as malas. Era assustador. E o outro momento foi na fronteira, quando fiquei três ou quatro horas à espera para passar. A quantidade de ucranianos que ficaram ali horas para passar a fronteira e, quando era a vez deles, não podiam. Eles saiam do carro, as mulheres e os filhos iam. Eles ficavam (devido à lei marcial)”, contou.
Agradecendo o apoio dado pelo Estado português, pela embaixada, pelo Sindicato dos Jogadores, pela Federação Portuguesa de Futebol e pela Câmara Municipal de Vila do Conde, o ex-jogador do Rio Ave, que fez formação no Benfica, estava visivelmente abatido e exausto.
O foco nos filhos e na mulher fizeram com que não pensasse que não iria chegar a Portugal ou nas dificuldades que poderia ter pela frente, confessou.
“A viagem foi de loucos. Quando acordei com o bombardeamento, há três dias, fugi para o centro de estágios do clube, com os jogadores estrangeiros, para tentar perceber o que era para fazer. Disseram-nos para ir para Lviv. Ainda em casa, ouvi duas bombas e no centro de estágios rebentou outra. Esconderam-nos num 'bunker'. Entretanto, fizemo-nos à estrada e, quando já circulávamos há 40 minutos, recebemos a informação que poderíamos ficar no hotel do nosso presidente a pernoitar, por ser um local seguro”, começou por contar, salientando que, quando ainda estava no hotel, ficou completamente amedrontado por ver um tanque em frente à porta.
“No dia seguinte, íamos em direção a Lviv, para passar para a Polónia. O percurso foi horrível. O GPS dava a indicação de um percurso de pouco mais de 13 horas e o que é certo é que conduzi durante quase 25 horas. Quando chegava a um sítio, havia estradas cortadas e tínhamos de voltar para trás e andar por estradas secundárias. Muitas delas no meio do mato, a 20 ou 30 quilómetros por hora. Para quem está em fuga, isso é um desespero”, disse.
Continuando, a meio do caminho, Nélson Monte, que ia acompanhado por ucranianos, recebeu a informação que a cidade de Lviv estava a ser evacuada.
“Alterámos a rota e rumámos para a Roménia. Encontrámos presença militar, onde tivemos de mostrar passaportes e fazer a revista ao carro. Tudo com a máxima calma. O que mais pensava era nos meus filhos, na minha mulher e na minha família. O mais complicado era não saber como ia chegar a Portugal. Hoje, na fronteira, era uma fila inacreditável de carros a fugir do país. Deixei o meu carro a 10 quilómetros da fronteira e fiz o resto do percurso a pé para passar”, recordou.
Como o próprio assume, o tempo agora é para estar com a família, “desfrutar com os miúdos” e a mulher e só depois pensar no futebol. Na carreira. Mas, até lá, oferece todo o apoio aos colegas que queiram mandar a família para Portugal.
“O povo ucraniano não merecia estar a passar por isto. É um povo que vai defender a sua pátria. O meu coração está com eles e com os meus colegas de equipa. Disse-lhes que quem quisesse mandar famílias para Portugal eu iria ajudar. Eles querem é defender o país deles”, concluiu.
A Rússia lançou na quinta-feira de madrugada uma ofensiva militar na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, que já provocaram pelo menos 198 mortos, incluindo civis, e mais de 1.100 feridos, em território ucraniano, segundo Kiev. A ONU deu conta de 150.000 deslocados para a Polónia, Hungria, Moldávia e Roménia.
O Presidente russo, Vladimir Putin, disse que a "operação militar especial" na Ucrânia visa desmilitarizar o país vizinho e que era a única maneira de a Rússia se defender, precisando o Kremlin que a ofensiva durará o tempo necessário.
O ataque foi condenado pela generalidade da comunidade internacional e motivou reuniões de emergência de vários governos, incluindo o português, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), UE e Conselho de Segurança da ONU, tendo sido aprovadas sanções em massa contra a Rússia.