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Mundial-2022: Qatar deu «lições de engenharia e do ambiente» na organização do evento

O antigo presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa Ângelo Correia afirma à Lusa que o Qatar "vai fazer um espetáculo de futebol que vai ficar na história" e deu "lições de engenharia e do ambiente".

Mundial-2022: Qatar deu «lições de engenharia e do ambiente» na organização do evento
Futebol 365

O Mundial 2022 arranca exatamente daqui a um mês no Qatar, a primeira fez que um evento desportivo deste género se realiza num país árabe e durante o final do ano.

"Não só vai fazer um espetáculo de futebol que vai ficar na história, a uma hora própria possível num tempo mais possível e mais fresco, que no fundo é o final do ano, como também o Qatar fez outra coisa: deu lições de engenharia e do ambiente, ou seja quiseram ser distintivos, no desporto, na capacidade tecnológica e na manifestação ambiental", considera Ângelo Correia.

E ainda o Mundial 2022 não arrancou e já é conhecido que o Qatar vai organizar a Taça das Nações Asiáticas de 2023.

"Tudo isto se insere agora na lógica da evidenciação perante o mundo de uma identidade própria. Simplesmente no campeonato do mundo de futebol há a dizer mais do que isso: o Qatar aproveitou essa circunstância para criar conceitos, dos mais modernos que existem no mundo ocidental, no mundo oriental, onde queira, que existem no mundo, de sustentabilidade", destaca o professor catedrático.

Por exemplo, um dos estádios antigos do Qatar, o Al-Rayyan, foi transformado em moderno.

"Primeiro, todo o material que era utilizado no estado Al-Rayyan foi reciclado 'in situ' transformado em outros materiais e 90% desses materiais entrou na construção do novo estádio", relata Ângelo Correia, referindo que o novo estádio "é feito por módulos" tal como os outros.

Outro ponto que destaca é que "as águas todas daqueles espaços são águas recicladas".

O mundo ocidental, em Portugal, por exemplo, "não temos ainda águas recicladas em capacidade e quantidade suficiente face àquilo que é perdido na natureza, enviado para o mar e enviado para ETAR", nem tratadas para lavar as ruas ou rega pública, aponta.

"Ora bem, os qataris fizeram isto com uma capacidade de 96%", sublinha.

Além disso, "cada estádio novo - oito - são construídos numa base institutiva de novos aglomerados populacionais, cujo epicentro é o estádio e a floresta que criaram em volta - criaram florestas" com "árvores nativas em que a primeira proteção" são os lagartos e pássaros locais", prossegue.

"Há uma noção do conceito de biodiversidade que eles retêm com muita força", diz. Em suma, a sustentabilidade assenta na biodiversidade, no melhor uso da água e na melhoria da eficiência energética.

Por exemplo, "pouparam 40% da energia que habitualmente" se gastaria em locais europeus, por exemplo, salienta Ângelo Correia.

Ou seja, "há aqui uma ideia não só em relação ao presente, mas também antecipadora do mundo futuro que há de vir e o qual já está a ser preparado", defende.

Segundo o antigo presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa, o estádio no Qatar não é apenas para o espetáculo.

"É um estádio para a criação de espaços urbanos diferenciados e modernos, mas mais: há estádios que vão ser doados", conta.

Como são feitos por módulos podem ser desmontados e doados a países que não tenham estádios, por exemplo.

Atualmente, a capacidade da maior parte dos estádios qataris é de 40, 60 e 80 mil lugares, mas quando terminarem os campeonatos, esta reduzir-se-á a 32 mil.

"Ou seja, há um 'engineering' [engenharia], há uma capacidade de pensar, há uma estruturação tecnológica que é fortíssima e há uma capacidade ambiental que eles conseguiram e nisso está a diferenciação", prossegue.

Sem ser em Doha, alguns dos estádios estão afastados, pelo que foi construído metro para todos os sítios, ciclovias e vias pedestres com árvores.

No total, o Qatar "vai ter 180.000 hectares de arborização" destinada "não só para ativar o clima mais próximo da atração de chuva, mas como também da preservação de algumas das suas próprias árvores, como também para a criação de créditos de carbono".

"Tudo isso cria valor económico", créditos de carbono, enfatiza.

Por fim, "o cuidado foi tão grande que eles mediram qual foi a carbonização" e estão a comprar créditos de carbono internacional para que o espetáculo seja neutro carbonicamente.

"Eu penso que eles quiseram dar uma imagem ao resto dos países árabes como um país rico, muito rico, mas pequeno, conseguiu organizar um espetáculo mundial com uma qualidade supra em relação àquilo que se faz no mundo", remata.

Ângelo Correia considera que a luta do Qatar é a da capacidade de ser distinto dos outros: "É talvez o emirado que sempre quis ter um papel autónomo para provar que existe, para mostrar a sua identidade".

E como é que ele criou uma identidade interior ao Islão, interior ao Golfo, interior ao GCC (comunidade dos Estados do Golfo)? "Criou-a sobretudo em três áreas", diz.

Primeiro, "criou uma identidade comercial, financeira, económica no mundo como sendo um dos grandes produtores de gás natural do mundo", trata-se do "maior produtor daquela zona, com o Irão e depois com a Rússia, são os três maiores, mas como é um país pequeno a densidade de gás per capita é volumosíssima".

Portanto, "em primeiro lugar economicamente quis-se afirmar e afirma-se nesta crise, aliás, na guerra da Rússia da invasão à Ucrânia, reparará que o primeiro sítio" depois do anúncio da possível cessação de fornecimento de gás natural russo "onde o chanceler alemão vai é ao Qatar", recorda.

O Qatar "é um fornecedor sempre procurado", o que representa o primeiro sinal distintivo, sublinha.

Segundo sinal distintivo, "na política externa, com áreas de autonomia estratégica em relação à potência regional dominante do mundo sunita que é a Arábia Saudita".

Além disso, tem uma "boa relação com o mundo ocidental, particularmente com os Estados Unidos, todavia desde algum tempo tem relações muito estreitas com a Turquia" que, sendo também um país sunita, "todavia geneticamente não são árabes, são otomanos, turco otomanos".

Esta relação "muito próxima com Erdogan tem permitido, por exemplo, apoiar a Turquia na Líbia", recorda Ângelo Correia, que refere que "a ideia identitária qatari é querer exibir-se publicamente com autonomia relativa ao espaço onde está e em relação à Arábia Saudita, o líder regional".

Depois, uma terceira vertente onde se nota também uma visão distintiva do Qatar, que é o desporto.

E isso não começou "com o campeonato do mundo de futebol, começou com a política de nacionalizações", dando como exemplo a equipa nacional de andebol qatari, em que um dos jogadores era do Sporting.

"É brasileiro, jogava lá, tem nacionalidade qatari" como vários outros, conta, apontando que na região do Golfo há dois países que têm uma política clara de aceitação de nacionalidades "muito rápida e com todos os direitos": Qatar e Bahrain.

Por exemplo, é possível encontrar nas equipas dos campeonatos do mundo de atletismo do Qatar e do Bahrain quenianos, etíopes, ugandeses. E para ter a nacionalidade nem sequer têm a obrigação de ser islâmicos.

E o que isso quer dizer? "Quer dizer que o Qatar procurou uma diferenciação, uma identidade externa diferente dos outros, tendo uma capacidade de apoiar o desporto com equipas nacionais".

Confira aqui tudo sobre a competição.

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