Os petrodólares da Arábia Saudita estão a aliciar algumas ‘estrelas’ do futebol mundial a deixarem os principais clubes europeus na atual janela de transferências de verão, tendência incitada em janeiro pelo português Cristiano Ronaldo.
Depois da sua rescisão com os ingleses do Manchester United, o avançado e capitão da seleção portuguesa vinculou-se ao Al Nassr e passou a ser o jogador com o salário mais alto de sempre, ao auferir quase 200 milhões de euros (ME) por ano, até junho de 2025.
Cristiano Ronaldo, de 38 anos, privilegiou o lado financeiro em contexto de pré-reforma e rumou a um destino tão surpreendente quanto inferior ao patamar competitivo no qual foi brilhando por duas décadas, decisão alastrada a outros craques desde o fim de 2022/23.
Karim Benzema, que arrebatou a Bola de Ouro em 2022 e é o segundo melhor marcador de sempre do Real Madrid, atrás de ‘CR7’, e N’Golo Kanté (ex-Chelsea) assinaram pelo campeão saudita Al-Ittihad, comandado pelo português Nuno Espírito Santo, cujo plantel acolheu ainda em contraciclo etário o compatriota Jota (ex-Celtic, 29,1 ME), de 24 anos.
A aquisição mais avultada de sempre no Médio Oriente pertence a Malcom (ex-Zenit, 60 ME), que acompanha o internacional luso Rúben Neves (ex-Wolverhampton, 55), de 26 anos, Sergej Milinković-Savić (ex-Lazio, 42) e Kalidou Koulibaly (ex-Chelsea, 23) entre os reforços sonantes do Al-Hilal, de novo treinado por Jorge Jesus quatro anos depois e que viu Kylian Mbappé recusar uma proposta de 300 ME para deixar o Paris-Saint Germain.
Luís Castro saiu do banco do Botafogo, líder isolado do Brasileirão, para o vice-campeão saudita Al Nassr, que captou Seko Fofana (ex-Lens, 19 ME), Marcelo Brozović (ex-Inter Milão, 18) ou Alex Telles (ex-Manchester United, sete), enquanto Roberto Firmino (ex-Liverpool), Édouard Mendy (ex-Chelsea, 18,5) e Riyad Mahrez (ex-Manchester City, 30) escolheram como novo destino o recém-promovido Al-Ahli, orientado pelo alemão Matthias Jaissle.
Fora desse espetro, o Al-Ettifaq passou a ser liderado por Steven Gerrard, ex-capitão do Liverpool, que vai reencontrar Jordan Henderson, anterior dono da braçadeira dos ‘reds’.
Distantes da luta pelo título devem andar outros três treinadores portugueses, tais como Pedro Emanuel, do Al-Khaleej, ou Filipe Gouveia e Jorge Mendonça, dos promovidos Al-Hazem e Al-Akhdoud, respetivamente, numa prova que vai aumentar em 2023/24 de 16 para 18 clubes e possibilita a cada um inscrever um máximo de oito atletas estrangeiros.
Esses traços aliam-se à inexistência de tetos salariais ou de regras de controlo financeiro observadas em outros países, cenário que está a estimular a injeção de dinheiro ilimitado para atrair ‘estrelas’ até à Arábia Saudita, cuja janela de transferências de verão encerra em 20 de setembro, quase três semanas depois da maioria dos campeonatos europeus.
Os reforços de renome são a face mais visível da estratégia de Riade para elevar o nível, as receitas e a projeção do campeonato local, almejando torná-lo num dos 10 melhores à escala mundial com o imprescindível contributo do Fundo de Investimento Público (PIF).
Depois de ter capturado 80% do Newcastle, por 353 ME, devolvendo o clube da Premier League à Liga dos Campeões ao fim de duas décadas, o reino adquiriu em junho 75% de quatro dos principais clubes do país, com 25% a ficar para entidades sem fins lucrativos.
O Governo quer, porém, começar em breve a privatizar os clubes, apesar de o desporto funcionar como um dos alicerces do ‘Visão 2030’, projeto de diversificação económica da Arábia Saudita, que foi lançado em 2016 por Mohammed bin Salman, primeiro-ministro, príncipe herdeiro e líder do PIF, e ajuda o reino a reduzir a sua dependência do petróleo.
Imune às acusações de ‘sportswashing’ e de desrespeito pelos direitos humanos, Riade tem utilizado o desporto para se reposicionar além-fronteiras, atrair investidores e turistas ou organizar eventos, tais como as últimas Supertaças espanhola e italiana de futebol, o Campeonato do Mundo de clubes, em dezembro deste ano, e a Taça da Ásia, em 2027.
Se a petrolífera Aramco patrocina o Mundial de Fórmula 1 ou a escuderia Aston Martin e insere Jeddah no ‘circo’ desde 2021, o PIF foi vital para fundir o circuito norte-americano PGA e o europeu DP World Tour com o dissidente LIV Golf, após litígio entre as partes.
Sede do Rali Dakar, dos Jogos Asiáticos de Inverno (2029) e dos Jogos Asiáticos (2034), a Arábia Saudita ousa organizar na próxima década os Jogos Olímpicos e o Mundial de futebol - apesar da saída da corrida à edição de 2030, na qual se tinha juntado a Egito e Grécia e concorreria, entre outras, com a candidatura de Portugal, Espanha e Marrocos.
Em busca de replicar esse passo consumado pelo ‘vizinho’ Qatar em 2022, a nação mais extensa do Médio Oriente selou um avultado contrato de promoção do turismo local com Lionel Messi, campeão mundial pela Argentina e ‘rival’ de Cristiano Ronaldo no topo do futebol no século XXI, que, paradoxalmente, rejeitou trocar o Paris Saint-Germain pelo Al-Hilal e passou a ter um salário anual de 50 a 60 ME no Inter Miami, dos Estados Unidos.