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Uma águia que adora solavancos

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Uma águia que adora solavancos
Futebol 365

É um Benfica no meio do trânsito, num “pára-arranca” permanente (leia-se primeira parte) que motiva um excessivo e desnecessário consumo de combustível. Sem grande equilíbrio.

Na segunda parte, tudo se reflete em termos de pernas. Mas a terapêutica mais hábil é mesmo pensar de forma ofensiva: tenho bola e circulo-a em conformidade, para que o adversário frequente um carrossel invisível que o fatigue sem ele dar conta e, ao mesmo tempo, repouse os meus quadros para que eles possam ter fôlego para aguentar toda a cavalgada de forma firme. É, por isso, que ter João Mário no banco, num jogo desta envergadura, é uma insensatez. Para se evitar o “pára-arranca” e para se garantir que o meio-campo do adversário – Calhanoglu, Mkhitarian e Barella – não se torne avassalador e asfixiante quando os índices físicos tombarem. Tal como aconteceu na segunda parte. Não há milagres.

Diz-se que “para os excecionalmente bons há sempre lugar”. Se temos talento (Neres em minúsculas e Di Maria em maiúsculas muito gordas) há que colocá-lo no assador sem qualquer tipo de proteção na grelha. Ou melhor, dar motivos ao adversário para se preocupar - e muito - com as labaredas do nosso talento. Mas todos os grandes espetáculos contemplam uma série de fios e de tomadas elétricas. Que o espetador não vê no calor dos holofotes. O tempo já mostrou que o Real Madrid dos galáticos nunca funcionou sem Makelele, o seu herói dos bastidores. Ou seja, Schmidt parece pensar a equipa não em face daquela que deve de ser a sua identidade, mas antes em face de uma necessidade misteriosa de plastificar o plano de jogo de tal forma que, afinal, tudo é possível e há lugar para todos. Um longo abraço que pressupõe riscos, sendo que longos abraços não abraçam ninguém. Num pensamento contestável que já não vem de agora. Remonta ao início da temporada.

Ora, à semelhança do que aconteceu no jogo da Supertaça (com as suas nuances, é certo), o Benfica voltou a aparecer sem uma referência fixa na frente de ataque. Sem Musa, sem Arthur Cabral. Duas leituras: uma emocional e uma prática. Em primeiro lugar, a não colocação de um jogador mais fixo provoca, em termos de contexto, o nascimento e potenciação de um “fantasma de Gonçalo Ramos”, sendo que o mundo do Benfica não acaba em Milão e os jogos subsequentes têm de ser trabalhados desde já; depois, por muito talento que se coloque em palco, torna-se hercúleo quando as “jardas” se conquistam sem um farol no último terço, por muito que o mesmo farol não seja tão bom como o da temporada passada - que pressionava de tal forma que proporcionava um invisível resguardo aos médios e lhes garantia, de forma direta, uma injeção de frescura física.

Se, na primeira parte, os médios do Benfica recuavam e prosseguiam em direção à tal “terra de ninguém” que representava o último terço (fora algumas desmarcações bem-sucedidas de Neres que não chegam) – na segunda parte, a componente física fez-se sentir. Com reflexões individuais a fazer: Kokcu é, de facto, muito bom e a sua ação faz com que o Benfica ganhe fluidez, velocidade e critério na ligação entre sectores. Sem dúvida. Mas, para ser o substituto de Enzo, não chega. Por isso, se calhar não faz muito sentido pensar-se num meio-campo definido na base do “Kokcu e o outro”. Como tem acontecido. E porque, valha a verdade, o Benfica ainda não conseguiu realinhar os seus chakras depois da saída de um jogador que tinha uma vasta cartilha de argumentos: recuo para a primeira linha defensiva para iniciar o processo de construção; precisão máxima em termos de passe longo e passe curto e leitura astuta dos tempos de aceleração e de desaceleração; e chegada pronta a área para finalizar. E um Florentino que encaixava na perfeição. Que recuperava e fazia um trabalho de sapa (recuperações em catadupa) que era de tal forma eficiente que tudo brotava na primavera do jogo quase sem se dar por ela. Que fazia com que a equipa não descambasse da esquerda para a direita como se fosse um baloiço descontrolado.

Por falar em esquerda, a saída de Grimaldo é uma lacuna evidente, sobretudo no capítulo ofensivo. De garantia da posse de bola em zonas altas. Grimaldo e Pavia não se substituíram num dia e o Benfica ficaria sempre mais fraco. Por aí nada a fazer. E Aursnes não podia jogar ali toda a vida como uma espécie de mecanismo de emergência que, para além de se afirmar de forma nua como debilidade, não capitaliza todo o potencial de um jogador norueguês que é de vital importância na zona do miolo, setor onde deve jogar (leia-se evoluir) de forma regular. E não andar a fazer o papel de “super remendo” que, por muito voluntarioso que seja, não o beneficia nem a ele nem à equipa, sendo que uma e outra coisa estão interligadas.

Tal como a baliza está interligada com tudo. Sobretudo com a dinâmica ofensiva da equipa. Leia-se Diogo Costa. Se, na temporada passada, o Benfica abanou diante de Inter e FC Porto por não ter um guarda-redes capaz de jogar com os pés e sacudir a pressão alta que o adversário exercia, hoje os tempos são outros e o titular também. E, por aí nada a dizer. Odysseas não era problema nem solução. Formidável entre os postes mas para ser titular do Benfica não chega. Trubin, como se viu, é a opção certa não só pelo que defendeu e desequilibrou mas também pelo que fez jogar nos momentos de maior aperto. Chegou tarde mas pegou de estaca. Frio. Determinante.

Balde de gelo precisa-se. Sim, há motivos para se acionar a luz vermelha mas o estridente alarme ainda não. Apesar das duas derrotas, o Benfica é claramente superior à Real Sociedad e ao Red Bull Salzburgo e tem armas para contrariar o Inter. Com frieza e com um plano de jogo definido sem oscilações, não caindo na tentação de se colocar este ou aquele só porque supostamente é ou pode ser melhor no universo do individual. Convém que Roger Schmidt perceba que o desequilíbrio só faz sentido se estiver alicerçado. Caso contrário, mais vale jogar de forma sombria. E certinha. O feio e o cinzentão, às vezes, podem ser os fiéis amigos da vitória. Dos três pontos. E dos milhões da Liga dos Campeões.

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