
Artigo de opinião de Gil Nunes.
Os astros estavam todos alinhados para que o jogo diante do Estoril fosse um passeio com mais três pontos no carimbo. A questão é que, perante equipas dotadas de qualidade individual considerável, os planos podem sair gorados até porque o período de consolidação que o FC Porto ainda vive não permite tirar o pé do acelerador. E as probabilidades valem zero, sobretudo numa equipa grande que necessita, desde o início do jogo, de varrer o imponderável e tornar a vitória natural.
Para isso, é necessário trabalhar no detalhe. Torná-lo irrisório. É certo que ninguém é imune ao erro e as coisas acontecem. No caso do FC Porto trata-se de uma questão paradoxal: se o coletivo apresenta uma estrutura sólida e preparada para qualquer adversário (ainda é necessário aprimorar o domínio diante de equipas mais débeis / fazer prevalecer a lei do mais forte), há uma série de vírgulas que se têm revelado fatais. Com a culpa a morrer solteira e, no caso, até a culpa a morrer sem culpa da própria morte. Foi o mau gesto técnico de Baró em zona proibida frente ao Barcelona; foi a entrada mais impetuosa de Fábio Cardoso diante do Benfica; ou, agora, a análise menos delineada de David Carmo que originou o livre que deu o golo ao Estoril. Ou mesmo uma grande penalidade apontada por Taremi que, não tendo sido mal batida, poderia ter sido cobrada de outra forma. Ou isto ou aquilo. A atenção ao detalhe, a migalha vale títulos. E a fava contada não existe. Sérgio Conceição já percebeu onde está o problema: não está na tática, está na minúcia. E no facto de não se valorizar a minúcia como se deveria.
Do fora para dentro, com a certeza de que o sistema tem de funcionar sem hiatos. Sem interrupções. Quando Sérgio Conceição se refere aos ditos departamentos que têm de assumir a responsabilidade, não fala em específico deste ou daquele departamento. Digo-te a ti mas digo a todos. Há que impedir que o detalhe ganhe proporções de contexto, lembrando que se os dragões tivessem vencido o Gil Vicente teriam sido campeões na temporada passada. Mas os títulos não são feitos de “ses”, são feitos de pontos que não se perdem de forma escusada.
Tudo o que se disser é especulativo: o discurso é passível de erro quando não se domina toda a ciência. Mas o que é certo é que os jogadores do FC Porto ficam um pouco mais no “estaleiro” do que os dos seus rivais. E com lesões de “escovinha prolongada”, recuperáveis duas ou três semanas depois como se nunca tivessem existido. Wendell, Ivan Jaime e Galeno nas boxes não ajuda quando é necessário criar desequilíbrios em equipas mais baixas e com potencial individual para ferirem na transição ofensiva. É preciso perceber que ainda se vive num período de adaptação pós-Uribe e Otávio que deve de ser ultrapassado em conformidade, sendo que a “tormenta” ainda não foi totalmente debelada. Há que ir por aí: ainda vai demorar muito tempo para os pilares se consolidarem e a tal dupla ser totalmente esquecida. Não com meia dúzia de jogos mas com sequências de erros e de aprendizagens, sendo que esta mensagem deve ser passada ao grupo de forma inequívoca.
A derrota diante do Estoril abala, sobretudo, um período de consolidação tática que a equipa estava a atravessar. Com a repetição de um onze a dar conta dessa mesma linha de pensamento. No meio-campo, a dupla Varela – Eustáquio, bem como a potenciação das faixas através da inclusão de Francisco Conceição (maior propensão ao desequilíbrio com Pepê a tender mais para dentro), dava espaço ao maior rendimento da dupla mais habituada a estas andanças – Taremi e Evanilson. Na primeira parte, uma mão de boas oportunidades podia ter tornado o jogo quer menos complicado quer menos ansioso. Porque, no caso, o tempo é sempre mais favorável a quem quer cometer uma surpresa e menos favorável a quem pretende chegar rapidamente à posição de vantagem.
Quando Sérgio Conceição menciona os detalhes, refere isso mesmo. Também o fator tempo. Sem pressa, sem sofreguidão, mas quanto mais depressa tornarmos o jogo fácil, também mais depressa damos espaço ao imponderável para se agigantar. Naquela lógica de que os maus momentos são, ou podem ser, uma dádiva: foram três pontos perdidos mas os adversários vão perder muitos mais. Aproveito este deslize para chamar a atenção ao grupo e colocar toda a caravela unida a navegar rumo ao destino pretendido. Se tal não acontecer, também nada feito.
É preciso também verificar que o Estoril tem uma equipa de muita qualidade individual, e que teve muito mérito na vitória que obteve. Quer na forma como defendeu (muitas vezes com cinco defesas e médios próximos a fechar o espaço entrelinhas), quer nos desdobramentos ofensivos em que não teve qualquer receio em atacar com três homens em transição, a equipa mostrou uma face sólida e uma preparação natural para uma trajetória de subida na tabela classificativa.
Para o FC Porto, a derrota diante do Estoril até doeu mais que a derrota diante do Benfica. Porque frente aos encarnados tudo se desenrolou de forma harmoniosa até aos dezanove minutos, e o resultado não representou uma tónica moral para o Benfica. O desafio, agora, passa por percorrer a mesma estrada. E Sérgio Conceição aproveita: puxar para o positivo. Capitalizar a importância do detalhe como principal cimento do edifício. É por aí. E não olhar para trás.