Artigo de opinião de Gil Nunes.
Se, na Pedreira, o Benfica ganhou ao Braga com Tengstedt, desta vez fê-lo com Arthur Cabral. Tal pode não querer dizer nada ou, batendo ligeirinho na pala da especulação, pelo menos dá uma premissa essencial: a zona central do Braga é um problema e necessita de consolidação. E o problema agudiza-se quando o central de maior qualidade – Niakaté – está na CAN e só volta daqui por uns tempos. Não foi bem por aí, mas também parece não haver coincidências. O Braga tem uma equipa e peras do meio-campo para a frente, mas o pomar fica mais fragilizado quando se analisa a sua retaguarda. Guarda-redes Matheus é, por mérito próprio, a louvável e indiscutível exceção.
Sobre o Benfica, e sobre a sua linha avançada, há outra reflexão a ter em conta: o trabalho sem bola. A exploração das zonas de pressão e o rápido condicionamento da construção adversária. Tais características ainda se cosem melhor com o perfil de Tengstedt, pelo que uma grande exibição de Arthur Cabral ajuda muito mas não ratifica coisa nenhuma. O processo de descongelamento da picanha ainda não está completo.
Assim de repente, por que razão apenas agora (diante do Braga) Arthur Cabral mostrou as suas garras? A sua qualidade? Se calhar qualidade sempre teve, e assente num conjunto de detalhes que mostram uma assinalável relação com a bola. Se calhar superior a qualquer um dos seus parceiros de setor. A questão é que desta vez – e agora há que elogiar Schmidt – verifica-se um trabalho de articulação com os colegas – o buliçoso Rafa nem sempre é fácil de entender/compaginar – pelo que tudo se desenrola com naturalidade e, posto isto, a confiança também brote com o algodão de quem acaricia a bola desde miúdo. Aliás, quer o golo apontado (trabalho individual fantástico) quer a assistência de calcanhar, não são de quem tirou o curso há meia dúzia de dias. São de jogador de créditos firmados. Ponto.
É um Benfica que vai formoso mas não vai seguro. Continua a ser muito fácil aos adversários criarem oportunidades de golo, sobretudo se os seus intervenientes forem dotados de qualidade técnica para galgarem o espaço necessário à afirmação do desequilíbrio. Os encarnados não abominam a posse mas também não a abraçam: preferem estar num estado de “esguelha permanente” em relação à possibilidade de transição ofensiva rápida, sempre com Rafa em ponto de mira. No miolo, porém, a dupla João Neves – Kokcu vai ganhando solidez. Então o jovem português é mesmo dos melhores da liga e, na realidade, será uma hecatombe se não for convocado para o europeu. Essencial na pressão, reconquista da bola, arrastamento para o flanco direito e assertividade no passe – assim se construiu (dois últimos pontos) o golo inaugural diante do Famalicão. E não é descabido afirmar-se que foi Kokcu quem teve de se adaptar (fazer pela vida) para garantir a segunda vaga na carrinha do meio-campo. E, verdade seja dita, o turco também apresenta bom repertório: sobretudo clarividência para, num espectro de poucos toques, decidir ou inventar linhas de passe em conformidade, sempre com o suporte João Mário a dar a segurança necessária quando descai a partir da ala em movimento oportuni.
Voltando a João Neves, a sua intervenção tem outro eixo determinante: a construção a partir de zonas baixas (só mesmo um excelente jogador consegue construir com alta taxa de eficácia numa zona próxima do guarda-redes) que, para além da tranquilidade que oferece à equipa, permita que os centrais se espraiem e, com isso, haja uma criação indireta de mais linhas de passe. Aliás, também não é lunático lançar as cartas e fazer um pouco de futurologia: João Neves é a próxima “big thing” em termos de transferências e, como tal, o acautelamento através de contratações pensadas a montante (sobretudo quando o quadro financeiro do clube parece ser favorável) se justifica e, no caso, de que forma!
Também ajuda ter um guarda-redes que, não sendo Diogo Costa a jogar com os pés nem para lá caminhe, pelo menos consiga acrescentar nesse capítulo a qualidade necessária a um guarda-redes de equipa grande. Para além de garantir o mesmo que Odysseas garantia: defesas de elevado nível em situações críticas de jogo. Fazer a diferença.
Falar em ponto crítico do Benfica é, mais uma vez, tocar na tecla dos laterais. Dava um jeito tremendo ter um lateral esquerdo que conseguisse, com frequência e qualidade, catapultar a equipa para zonas mais dianteiras e tivesse um perfil – até anatomicamente falando – mais adequado àquela zona em específico. No entanto, nas contas do momentâneo, a dispensa está mais arrumadinha e o cenário de jogo menos sôfrego. Não perfeito nem tão pouco num plano de bom a puxar para cima. Mas, agora fazendo uma viagem ao passado, se calhar assim teria dado para passar aos oitavos da Liga dos Campeões. A grande mancha da temporada.