Artigo de opinião de Gil Nunes.
Nem é bem uma questão de crise instalada, se bem que o título seja uma miragem quase inalcançável. Sejamos realistas. Nem tão pouco uma questão de abstração em relação ao ato eleitoral que se aproxima pois, há três semanas, o FC Porto vencia e convencia na sequência da melhor estabilização do onze base no período pós Otávio e Uribe. Mas que as coisas não estão bem, lá isso é verdade. Não se pode tapar o sol com a peneira. Afinal de contas, o que se passa para os lados do Dragão?
Quando Sérgio Conceição – de forma maioritariamente irónica mas ainda assim com reais salpicos de” mea culpa” – puxa para si as rédeas do atual momento, fá-lo com o toque enfático nos fatores que não foram possíveis de controlar nesta temporada: a atenção ao pormenor. Ou a atenção ao somatório avalanche de pormenores que fizeram com que o FC Porto perdesse ambos os jogos diante do Barcelona ou então sofresse a expulsão na Luz, isto para além de situações comprometedoras e evitáveis, como foi o caso do livre direto que originou o golo do Estoril no Dragão. Entre outros no dossiê de um mundo de “deixa andar” que não é compaginável com quem pretende ganhar sempre. Fica-se sentado à soleira à espera que a normalidade avassale os adversários e tudo seja natural como sargo que assa no braseiro.
Ou então que não se entrasse em Arouca devidamente escaldado com a vista prudente e escanada de ter de enfrentar um dos melhores ataques desta liga: Jason, Mujica e Cristo. Então sobre este último é mesmo caso para perguntar: o que é que ainda está a fazer no Arouca? Regularidade exibicional comprovada, que o faz apresentar um rendimento constante seja perante o FC Porto seja então a desmembrar o Estrela, como aconteceu há poucas semanas na Reboleira. Com técnica, capacidade para jogar entrelinhas e, ainda por cima, apetência para finalizar de forma pronta e rápida nos três setores do ataque, Cristo é jogador para muito mais. Para um grande. Diante dos dragões, para além da desenvoltura técnica que o fez sacar um milimétrico cruzamento logo a abrir, destaque para o recuo estratégico para o corredor na altura da transição defensiva que, no seguimento, colocou o FC Porto perante uma situação à qual não está habituado: enfrentar blocos muito baixos, que são uma mordaça a quem pretende atacar pelos corredores – conquistar a linha de fundo de forma regular.
Mas volte-se ao cerne da questão: o início do jogo. Ataque perigoso motiva preocupações redobradas de quem defende, mesmo que o defensor seja uma equipa grande. Não há plano, não há estratégia, que não fique deturpada na sequência de um golo logo aos trinta segundos. Que é proveniente de falta de concentração. De foco. E o desabafo de Sérgio Conceição parece ter origem no sopé dessa montanha: por muito que fale, por muito que argumente, certo é que as desatenções vão aparecendo e corrompendo aquilo que estava previamente delineado. Não há milagres.
É verdade que o FC Porto reagiu logo de seguida e empatou a contenda. Ou seja, aos oito minutos estava tudo na mesma. Podia ter voltado tudo à estaca zero só que turbulência vestida de empate não deixa de ser turbulência, mesmo que controlada. E também é verdade que o FC Porto, mesmo enfrentando um bloco mais baixo do que aquele que era suposto na enciclopédia do jogo, sentiu algumas dificuldades de entrada no último reduto do Arouca, sem que tivesse entrado com frequência e até veemência. Mas também há que salientar: bem antes da grande penalidade que deu vantagem aos visitados, o FC Porto dispôs de um conjunto significativo de oportunidades que podiam ter dado um novo rumo à narrativa. E não é este ou aquele ter falhado: é, acima de tudo, a falta de tranquilidade na altura da finalização, algo que advém da necessidade imperiosa de se marcar a todo o custo. E, por aí, Conceição tem toda a razão: não há nenhum treinador do mundo que explique a Nico que, com um bocadinho mais de serenidade, teria marcado um golo fácil. Sendo que a culpa também não é do próprio Nico. É culpa do céu nublado.
A todo este contexto junta-se também outra variável. Ou a variável revertida. Se, quando tudo está bem tudo acaba bem, quando o mundo se coloca ao contrário os infortúnios brotam da terra como cogumelos. De facto, num processo em que Varela se tem assumido como holofote principal de toda a estratégia (até ao nível das transições defensivas), não ajudou nada que o elemento mais determinante dos dragões se tivesse lesionado na altura em que os dragões mais dele precisavam. Porque tudo está articulado: se os movimentos sem bola de Nico angariam espaço para a construção a partir da primeira zona se fazer de forma mais efetiva, também a dimensão que Varela acrescenta ao jogo não pode ser substituída com facilidade, sobretudo numa altura em que o médio argentino adquire outros atributos em termos de chegada ao ataque e mesmo tiro / criação de linhas de tiro.
Os números não ajudam, a classificação muito menos, mas o dragão nem está assim tão mal vestido: com exceção de uma defesa que precisa de um aprimoramento em termos de qualidade, o FC Porto tem uma equipa interessante e que, exceção feita aos dois últimos desaires, estava a percorrer uma trajetória ascendente que não pode ser colocada em causa. A luz do otimismo é muito ténue, mas ainda existe: na temporada passada, por esta altura, o FC Porto estava à dez pontos do Benfica e terminou a uma unha negra do título. Nunca é o cenário ideal até porque nesta temporada estão lá dois. Conte-se com o Sporting. Que, em termos coletivos, é neste momento o principal candidato ao título.
Se a não conquista de um lugar na Liga dos Campeões pode ser um rude golpe para os azuis e brancos, pelo menos há a serenidade do pensamento em cima da mesa. Em condições normais, em serenos sobressaltos, o FC Porto de hoje tem matéria-prima individual e coletiva para dar a volta por cima. Até com alguma facilidade. O problema é quando a facilidade se transforma em laxismo e o convite para o imponderável torna-se frequente. Limpar o pó da casa sem se colocar em causa a minuciosa disposição dos móveis. Porto mais atento ao detalhe. Muito mais atento ao detalhe. Sempre.