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Braga: Os binóculos de Artur Jorge

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Braga: Os binóculos de Artur Jorge
Depositphotos

Não há lugares encantados: a carreira de treinador é igual à de que qualquer outra. Por isso, optar por um posto de trabalho que ofereça melhores condições é legítimo e justificável. Não há nenhum mal nisso. Mas depois é que são elas: mudar é sempre bom desde que se olhe de esguelha para o futuro. Vista escanada. Binóculos. Sempre. Tudo se resolve, mas largos dias têm cem anos.

Desde que veio a público que o Spartak de Moscovo estava interessado nos seus serviços que se percebeu que as coisas não estavam propriamente bem entre Braga e Artur Jorge. Que até tinha renovado recentemente pelos arsenalistas. Seja como for, apesar de uma temporada em que se esperava um desempenho um degrau acima, nada pode ser apontado em relação a uma equipa do Braga que olhou de frente Nápoles e Real Madrid e apresentou um futebol ofensivo e muito atrativo. Sempre faltou algo de relativamente evidente: a consolidação da parte defensiva. Que sempre teve um naipe de jogadores que, no seu todo, registava uma valia individual bem inferior à dos restantes setores.

Ou seja, em traços gerais, a saída de Artur Jorge é sempre “aborrecida”, mas o caminho do Braga está sólido e impede que se entre em cenário de ativação do estado de emergência. Agora, lá que foi estranho lá isso foi. Sobretudo pela rutura abrupta de uma ligação quase umbilical de Artur Jorge ao Braga: via-se um (Artur Jorge) e via-se o outro (Braga).

Daí a questão ser mais de interpretação e de análise daquilo que o futuro poderá trazer. Ora, ninguém faz da futurologia um escritório, mas é altamente antecipável que o Braga continue em trajetória ascendente e que o título nacional apareça. Mais anos, menos ano. E, nessa senda, que também se torne mais apetecível para um treinador ir para o Braga, com os que são bracarenses de espírito a ganharem natural vantagem. Ou seja, Artur Jorge tinha todo o interesse em ter saído a bem. E se calhar para outras paragens. Europeias.

É argumentável que o “aqui e agora” também faz sentido, sobretudo quando a proposta é altamente favorável do ponto de vista financeiro. Por aí nada a dizer. Mas o que é abundante agora pode ainda ser mais abundante no futuro ou, se as coisas não correrem como se espera, até mais escasso. Não teria sido melhor a Artur Jorge terminar a época no Braga e, aí sim e apesar da renovação, colocar-se a jeito do mercado e de outra proposta?

Sim, é verdade que o campeonato brasileiro começa dentro de poucos dias e há que preparar tudo com antecedência. Daí ir “já” e o “já” até significa um pouco tarde. Agora, do outro lado da moeda, um passo atrás significa dar um passo à frente num futuro próximo. Se Artur Jorge tivesse tranquilamente e no final da época rumado a um Partizan ou Spartak desta vida (leia-se que o valor do técnico até justificava um clube com outras ambições), teria o carimbo necessário no passaporte para salvaguardar o seu “braguismo” e um eventual regresso que, mesmo sendo impensável no momento, poderia ser magicado no futuro.

Porque a questão emocional é apenas uma: ninguém pode dizer, e até toda a gente compreende, que Artur Jorge não é nem do Partizan nem do Spartak desde pequenino. E que, portanto, abandonar o barco é respeitável, sendo que o próprio empregador percebe tal situação na altura em que contrata o técnico. Se a opção poderia desaguar na perda de muitos reais? Sim, é um facto. Mas há que olhar para lá do horizonte. Por muito que hipoteticamente Braga e Artur Jorge estejam desavindos, tal até pode ser solucionável. E, por outro lado, o Braga é sempre um produto apetecível, com investimento na estrutura e na formação, que tem tudo para frutos no futuro próximo, e até dar frutos com uma direção diferente se assim for o caso.

Às vezes, o cordão umbilical é uma vantagem decisiva. Porque uma coisa é Rui Costa, benfiquista de sangue, puxar pelos galões da equipa e obter resultados à custa da voz do coração. Ou João Pinto fazer o mesmo no FC Porto. São relações determinantes e que ligam os indivíduos para sempre e que faz os clubes, por muito alvoroço que haja, a sempre proteger os seus. Porque fazem parte da família. São nossos.

Tal reflexão não significa que a viagem de Artur Jorge esteja condenada ao fracasso e à turbulência. Nada disso. A questão é que o futebol brasileiro ainda vive muito do resultado imediato. Por aí, também, Artur Jorge coloca-se dentro de uma evitável panela de pressão. Até porque o Botafogo esteve muito perto de vencer o Brasileirão passado. Um contexto de Braga “acelerado” onde as perspetivas vão ser muito exigentes. Que Artur Jorge analise toda a galera. Para não sair dela antes de tempo.

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