Artigo de opinião de Gil Nunes.
O jogo no Dragão como antecâmara da grande final diante do Portimonense e nunca o contrário. É certo que vencer um rival direto tem sempre um sabor especial (em termos de motivação sobretudo) mas haverá maior motivação do que vencermos um título no nosso estádio? Diante dos nossos? E irmos direitinhos para o Marquês? Até porque cheirava, de forma ténue, que a escorregadela do Benfica em Famalicão seria uma inevitabilidade.
Contas ao calendário em vez de euforia desenfreada que poderia resultar num contentor de lesões ou de castigos. Sim, porque o Portimonense pode estar em 16º lugar, mas tem um padrão de jogo consolidado ao longo das últimas épocas sob a batuta de Paulo Sérgio. E porque o caos, quando chega em tons de pingos da chuva, rapidamente se transforma em enxurrada. Quando o título está em cima da mesa, todos os cuidados são poucos. E todos os poucos cuidados são determinantes quando se trata de evitar que o imponderável se transforme em vírus.
O Sporting venceu a liga, mas conquistou algo de bem mais importante: a regularidade de títulos. Em quatro épocas conquistou dois, o que é bem melhor do que aceitável. É excelente. E fê-lo, sobretudo nesta época, quando até nem tinha o melhor plantel e as apostas estavam a ser feitas, de forma racional e legítima, na equipa do Benfica. É este o ponto nevrálgico da revolução Amorim: três grandes são três grandes e as probabilidades de conquista da liga, à partida, são e serão sempre iguais entre os integrantes deste triângulo. Ou seja, o Sporting vencer algo nunca é nem nunca será um epifenómeno.
Vender (no caso de Amorim sair) quando estamos em alta até para proteção dos próprios. Ou então fazermos como Jorge Braz no futsal. Redefinir os objetivos, sendo que a partir deste momento o céu não é o limite, mas antes mais uma etapa. Assim, numa leitura mais objetiva, a fasquia passa a ter um nome: bicampeonato. Tudo o resto até pode ser compreensível tendo em conta os futuros Benfica e FC Porto, mas a margem de manobra estreita-se de forma grotesca a partir do momento em que Rúben Amorim é tácito: fico. Não vou a lado nenhum. Não me vou embora.
É certo que as eventuais permanências também envolvem negociações. E a tal redefinição de objetivos. Assim o faz Jorge Braz de forma contínua numa seleção que é bicampeã da Europa e campeã do Mundo. Se muita gente conquista um título, poucos conquistam dois ou três. A História chama por nós e pede-nos que escrevamos não uma página, mas antes um capítulo. Por isso, e para que se escrevam capítulos com letras de ouro, há que manter dentro do palácio as joias da coroa. E não retroceder.
Indiscutivelmente o melhor jogador da liga na época que agora vai findar e aquele que lança a questão que vale um milhão de euros: será que o Sporting teria sido campeão sem Gyokeres? Sim, mas se calhar não teria sido a mesma coisa. Porventura teria sido bem mais complicado. E, se o Sporting levanta a ponta do véu para o que se segue com o cenário do bicampeonato a pontificar não como uma ilusão mais sim como uma realidade, a renovação com o craque sueco faz todo o sentido. Nunca se sabe como estarão os ventos do mercado mas há algo de mais importante que se alevanta no planeta da especulação: se Gyokeres sair, ao menos sai por um balúrdio. E balúrdio significa que o poderemos substituir em conformidade e, inclusive, compensar outras zonas do terreno menos abonadas em termos de recursos.
A começar pela questão do guarda-redes. Talvez o dossiê mais urgente. Por muito que tenha tido responsabilidades no jogo do Dragão, certo é que a premissa base foi concretizada: Israel não comprometeu. Requisitos mínimos assegurados. E, na reta final da prova, era isso que se pretendia, até porque se regressa ao início de tudo: o jogo diante do FC Porto não era propriamente o mais importante da lista. Se era para falhar, que fosse nesse.
Mas a Franco Israel falta um carreto da bicicleta: uma maior experiência e capacidade para responder de forma mais assertiva a um desígnio de guarda-redes de equipa grande que, atualmente, também tem sérias responsabilidades no que à primeira fase de construção diz respeito. É certo que é rápido e, numa análise fria das suas características, verifica-se que encaixa que nem uma luva numa linha defensiva que, efetivamente, necessita de um guarda-redes rápido. Por aí nada a apontar. Agulha descoberta no palheiro.
Se a conquista da liga afinou também pela recuperação de jogadores determinantes – Trincão à cabeça – os próximos desafios validam uma perspetiva de crescimento que, mais do que o crescimento em si, envolve um cenário de maior exigência: o Sporting não pode voltar atrás. Não pode voltar ao quarto lugar. Caso contrário, em vez de reconsolidar o estatuto de grande, cair-se-á na obtusa leitura de que, afinal, o leão é uma montanha-russa de instabilidade. Linha vermelha. E não a continuação da linha verde.