Artigo de opinião de Gil Nunes.
Só os melhores superam os testes de fogo e, verdade seja dita, se Diogo Pinto não tivesse qualidade suficiente também não entraria na equipa do Sporting. Agora, há verdades que não são de La Palice mas andam lá perto: defender uma final da Taça de Portugal é muito diferente de defender uma qualquer outra partida.
A menos que exista um coelho saído à última hora da cartola – recuperação milagrosa de Adán – Diogo Pinto será o guardião do templo e o ponto de referência de um eixo defensivo que, com Franco Israel, se habituou a ser respaldado por um elemento tendencialmente mais rápido e que faz a linha defensiva atuar um pouco mais à frente. É claro que, em face das recentes prestações, também se verifica a propensão de Diogo Pinto para tais características, pelo que o casamento entre o ADN do guarda-redes e as necessidades da equipa está para durar. A não ser que entre em palco eventuais nervos/ansiedade, lá em casa tudo bem.
É que falar do Sporting é falar da sua linha defensiva, quer no vital processo de construção (alimentação) de todo o sistema, quer nas pequenas metamorfoses que opera para se tornar sólido no processo defensivo e bloquear os pontos fortes do adversário. Por aí, mais uma vez, assentará parte da estratégia do FC Porto: ou seja, quanto mais efetivo for o processo de bloqueio menor a probabilidade de construção e, por conseguinte, também mais débil se torna uma das armas dos leões: a busca pela profundidade. Definida no tal jogador diferenciado que é Gyokeres e que adora espaço e latifúndios à sua frente.
Por aí, pode alegar-se de forma firme. O sueco teve nos dragões uma das suas principais presas: três golos em dois jogos, sendo que num deles (Dragão) até atuou só meia-parte. E também se pode especular (ou não) que o Sporting bateu de frente num dos pontos mais periclitantes do seu oponente: a zona central da defesa. Que com Otávio ficou melhor mas sem Pepe não é bem a mesma coisa.
Há um argumento, deveras apresentado por Sérgio Conceição, que bate também no âmago da questão: nesta temporada o FC Porto criou muito mas definiu muito mal, impedindo que as oportunidades se concretizassem. A ressalva robustece-se no facto de ser uma equipa jovem e que viveu enrodilhada num turbilhão de emoções, sendo que o epicentro se chamou ato eleitoral e passagem de testemunho entre Pinto da Costa e Villas-Boas.
Se bem que o FC Porto tenha apontado dois golos no Dragão muito por mérito da pressão alta exercida – e falta de discernimento do Sporting em sair da teia montada por Conceição, a que se somaram erros individuais – a questão ultrapassa a própria ausência de um matador. Um passinho atrás: os dragões, sobretudo sem Taremi, apresentam grandes dificuldades em jogar entrelinhas (golo diante do Braga foi exceção que comprova a regra), algo que provoca uma corrente de dificuldades: quando os adversários recuam muito o seu bloco ou, no caso específico do Sporting, se fecham numa linha de cinco, o FC Porto tem dificuldades em entrar pela zona interior e provocar o tal dispositivo de desbloqueio.
Os dragões têm, no entanto, apresentado algumas alternativas – a mais saliente a atração do adversário para o flanco esquerdo e abrupta derivação para o lado oposto, com o intuito de se provocarem as crateras necessárias para Francisco Conceição – o tal “espalha-brasas” – explorar em conformidade. Arma letal e que pode ser transplantada para a seleção. Como deve ser, pois não há muitos Francisco disponíveis mundo fora.
Um dos pontos eventualmente decisivos poderá residir na luta do miolo, com saliência nos duelos individuais. Nesse ponto, por exemplo, o Sporting ganhou supremacia em relação ao Benfica, que foi determinante para a qualificação para a final. Ou então, por parte do FC Porto, uma aposta forte no condicionamento dos flancos – profundidade oferecia por Nuno Santos, por exemplo, sendo que a fonte de alimentação também deve ser neutralizada. Algo que não aconteceu no Dragão quando Coates desembrulhou o 1-2.
Num jogo em que não há favoritos mas, ainda assim, as peças do xadrez parecem um pouco mais a verde pintadas, referência para o fim da estrada e para um horizonte luzidio. Para ambas as equipas. Se a permanência de Rúben Amorim é sinal de estabilidade e manutenção de um desenho de jogo arriscado mas eficiente (novo treinador dificilmente manteria a matriz), no caso dos dragões a questão ultrapassa a própria componente da classificação e dos números: equipa tremendamente competente do meio-campo para a frente, que deve ser mantida, preservada e apenas retocada. Com os olhos postos já em agosto, altura de novo desafio entre ambos: a Supertaça. Para leões e dragões, largos dias têm cem anos. Coloridos e solarengos.