Artigo de opinião de Gil Nunes.
Se Rui Costa entrou como presidente não a caminhar numa avenida, mas, pelo menos, numa rua bem larga, agora o cenário é mais de travessa. Curta e estreitinha. E isto para não se reter, de vez, num beco sem saída, algo que seria um rude golpe num presidente que é, ao mesmo tempo, uma lenda do clube. Sendo que ambos são e serão sempre a mesma pessoa. O mesmo Benfica.
No fundo, é mesmo assim: o Benfica vai ter sempre de conviver com Rui Costa. O tal mágico número dez saído dos escalões de formação e que encantou o terceiro anel e os tiffosi. Agora, convém é que a relação seja saudável. E duradoura. Porque as nuvens começam a pontificar: a recente maioria relativa do orçamento, acrescida de uma inesperada saída de Luís Mendes, administrador da SAD responsável pela pasta das finanças, e de uma auditoria que revelou, entre outras coisas, que os agentes desportivos receberam comissões acima do recomendado, faz legitimamente soar o alarme da desconfiança. Até porque, na área do futebol, o Benfica vive no mundo do assim-assim e do razoável. Os olhos da bola falam bem de frente para os adeptos. Mais do que aquilo que se passa nos bastidores.
Agora vem Pavlidis do Az Alkmaar por 18 milhões de euros e várias questões associadas. Desde logo, será que o Benfica só contrata jogadores determinantes nos Países Baixos? Sim, porque faz transparecer aquela ideia de que Schmidt até está aberto a todas as experiências do mundo, mas, quando é para correr risco zero, não há como recorrer a um mercado que conhece bem. Ou ao único mercado que conhece bem. O que, mais uma vez, é muito bom mas para o Benfica não chega.
Mas o perigo é outro. Na temporada que findou, o técnico encarnando salientou várias vezes que a inconsistência do avançado centro era uma das principais razões para o Benfica não ter ido mais além. E já nem se levanta a principal das dúvidas: o que é que Schmidt fez, na sua onda de “entra e sai logo”, para providenciar a necessária plataforma de consistência? Aqui, a dúvida é mais de contexto e ganha contornos de Serra da Estrela: continua o pensamento de peça por peça. No fundo, vem Pavlidis porque, supostamente, é o único que tem capacidade para substituir Gonçalo Ramos e assegurar a competitividade da linha ofensiva, resolvendo todos os problemas de uma vez. Panaceia universal.
O problema é que não é bem assim. Os responsáveis encarnados já deviam saber que não dá para substituir Gonçalo Ramos, da mesma forma que também não deu para trocar Enzo por Kokcu e fingir que tudo vai voltar a ser a mesma coisa. E o que espanta é Rui Costa pensar dessa maneira. O mesmo Rui Costa que, quando chamado a analisar os problemas de campo, diz coisas acertadíssimas: de facto, a questão não é contratar-se Jurasek pois contratações falhadas vão existir sempre. Não se pode errar é no critério. Certíssimo e a sublinhado no bloco de notas. Citação de referência para presidentes vindouros.
"Com as eleições definidas para 2025, é bom para Rui Costa que o Benfica não trema. Que não vacile. Caso contrário, o próprio Rui Costa (no caso o número 10) transformar-se-á no elefante no meio da sala"
Se Pavlidis chega com a máxima responsabilidade de ser a vacina para todos os problemas do Benfica, a questão é de legado e de falta de sustentabilidade da equipa: na maioria, tudo se construiu em torno de dois jogadores (Rafa e Di Maria) que não vão representar a próxima temporada do Benfica, sendo que não houve um trabalho prévio de potenciação de segundas linhas (risco que Schmidt não gosta de correr) para promover a dita plataforma de segurança para a temporada que se avizinha.
Se uns são espalha-brasas, outros vão começar a próxima temporada sob brasas. Porque o Benfica não pode correr o risco de realizar um novo pífio desempenho na Liga dos Campeões nem de começar a temporada a tremelicar nas provas internas. Com Schmidt no leme e com a inquietante dúvida de que a equipa não se desenvolveu em conformidade nos últimos dois, e que a estratégia de comunicação do alemão é bastante duvidosa. E, por aí, Rui Costa já não tem razão nenhuma: de facto, foi Schmidt quem deu “o peito às balas” por diversas vezes mas, valha a verdade, se é para dizer que o Benfica esteve muito bem ao eliminar o Rangers à rasquinha, mais vale estar calado. E deixar que as balas perfurem a águia naquele preciso momento.
Com as eleições definidas para 2025, é bom para Rui Costa que o Benfica não trema. Que não vacile. Caso contrário, o próprio Rui Costa (no caso o número 10) transformar-se-á no elefante no meio da sala, por muito que o seu genuíno objetivo seja o de ajudar o clube e catapultá-lo para voos mais ambiciosos. De soslaio, o perigo de acontecer ao Benfica aquilo que aconteceu ao FC Porto na passada temporada: uma turbulência diretiva tão grande que nem a equipa principal se conseguiu blindar perante tanta agitação marítima. Isto porque, se o Benfica não estiver forte no primeiro terço da temporada, tudo poderá romper como alfinete em balão. Perigo à espreita. Indiscutível. Voando sobre um ninho de cucos. Sem retorno possível.