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Portugal: Rei Diogo e o seu castelo de vacas sagradas

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Portugal: Rei Diogo e o seu castelo de vacas sagradas
Federação Portuguesa Futebol

Roberto Martinez tem razão quando chama à conversa o dito “patamar diferente” mas, na realidade, apenas se deve estar a referir a si próprio. Sinceramente, não se conhecia uma propensão tão grande para a criação de um núcleo de vacas sagradas (sem culpas dos próprios) e para uma proteção excessiva dos mesmos até ao expoente da loucura. Até ao limiar de uma eliminação diante da Eslovénia que, a ter acontecido, seria absolutamente vergonhosa porque, no rigor, os eslovenos são muito inferiores à equipa portuguesa e nem o facto de defenderem de uma forma muito certinha serve de desculpa. Hoje não.

Para já, comece-se pelo patamar diferente. Dirigido a Diogo Costa. Roberto Martinez não tem razão nenhuma pois, malgrado o facto de ainda não ter brilhado em termos de seleção, Diogo Costa nada tem a provar pois é, de momento, um dos melhores guarda-redes do mundo. E hoje, sem ele, Portugal não teria ganho: uma defesa miraculosa nos momentos finais e três grandes penalidades defendidas (leia-se até bem marcadas pelos eslovenos) salvaram a pele de um selecionador que estaria em apuros caso tivesse sido varrido pela armada de Ljubliana. E não faltou muito.

São palavras gastas e até pueris: é certo que Portugal vive muito das ligações entre Bruno Fernandes e Bernardo Silva mas, quando ambos estão em sub-rendimento, têm de sair. Ponto. Ainda por cima quando Portugal dispõe de um leque abrangente de soluções no banco. Porque nem frescos nem desgastados vão resolver o principal problema sentido pela equipa: a falta de jogo interior. A tendência hiperbólica para a conquista dos corredores, chamada do lateral, e cruzamento para a área à espera que Ronaldo resolva. Que até pode ser muito giro e resultar uma ou outra vez mas jogos deste nível não podem viver de situações remotas. Têm de viver de um leque abrangente de soluções que, em permanência, coloquem a cabeça do adversário a estourar de dúvida.

Ronaldo já não pode apresentar o estatuto de imprescindível de outrora

E com dedo na ferida bem saliente. Bastou verificar o que se passou no primeiro jogo (Chéquia) para se entender que Vitinha era o único com capacidade para entrar no espaço interior (bloco) e criar perigo. Por isso, e pela leitura, não poderia ser ele a sair, até porque estava a apresentar um rendimento bastante superior ao dos colegas de setor. E jogador com aquela qualidade técnica ultrapassa qualquer mau estado de relva. Tem capacidade superlativa que extravasa a própria dimensão do piso. Seja como for, há um problema maior que se alevanta: substituições erradas todos têm, até porque nunca se pode adivinhar que quem entra vai estar num dia particularmente inspirado. O que não se pode, nunca e em qualquer circunstância, é não tirar este ou aquele só porque supostamente se chamam Bruno ou Bernardo. Por aí é que não.

E Cristiano Ronaldo continua a ser convocável, sempre letal nas zonas de finalização, mas é inquestionável que já não pode apresentar o estatuto de imprescindível de outrora. Se não está bem sai, até porque a equipa teria muito a ganhar com um Gonçalo Ramos mais propenso à pressão alta e à reação à perda que, com CR7 e Leão juntos em campo, a seleção não tem. São lágrimas de Portugal e a grande penalidade até nem foi desacertada: foi, isso sim, uma monstruosa defesa de um Oblak que é, de longe, o único jogador de nível mundial que a Eslovénia apresenta nos seus quadros. Bem longe da armada lusitana.

Sim, é espetacular argumentar-se (e bem) que Portugal necessita de flexibilidade tática mas “at the end” o que se constata é cristalização tática com algumas variantes. Como por exemplo a questão da variação rápida de flanco para se servir Cancelo que, por muito voluntarioso que seja, não tem pilhas Duracell e também necessita de ser substituído. Mas há Nelson Semedo e Dalot no banco. Que nem são vazios nem paus de vassoura improvisados. São muito bons.

Chegou a ser penoso ver Francisco Conceição

Chegou a ser penoso ver Francisco Conceição, nos momentos finais, a driblar um ou dois sem quaisquer apoios para prosseguir o lance. Ou então Nuno Mendes em cavalgadas furiosas a tentar ligar setores, com o último suspiro a tender sempre para os corredores. E, sim, jogos destes fazem-se e ganham-se também com frescura física: ter Jota mais ao lado de Ronaldo até nem é mal pensado, mas tirar Leão é que não estava nos planos. Sim, por vezes até pode ser inconsequente mas, à falta de melhor, as suas arrancadas são sinónimo de vitalidade e daquela cautela invisível que faz sempre os eslovenos tremerem um pouco na altura do contragolpe. Ainda por cima quando o jogo se espremia leve e levemente para um prolongamento que precisava mais de pernas e menos de tática.

E até houve nuances positivas: a colocação de Nuno Mendes como elemento a sair na linha de três foi astuta; bem como a derivação de João Cancelo para zonas mais interiores, puxando Bernardo mais para a ala e permitindo que Bruno calcorreasse uma zona mais próxima de Ronaldo. Por aí tudo bem. A questão é que a seleção portuguesa tem talento de sobra para não viver de meia dúzia de salpicos, nem de um modelo contrariável por um bloco baixo minimamente coeso. Impõe-se mais. E estranha-se: sobretudo numa equipa que, durante a fase de qualificação, marcou 36 golos em 10 jogos. E que chegou a atuar com cinco avançados frente ao Luxemburgo. Inexplicável ou talvez a face escondida da lua de Martinez: naquela hora, naquela hora crítica, todos são iguais mas há uns mais iguais que outros. E esses não saem da equipa nem que chovam picaretas. Nem que a vaca tussa. Porque vacas sagradas não tossem. Mantêm-se noite e dia. Dia e noite. Noite e dia.

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