Artigo opinião Gil Nunes.
O desempenho de Coates no Sporting é uma espécie de pedrada no conhecido rótulo do “chegou, viu e venceu”. Na realidade, o central uruguaio vestiu a camisola leonina durante nove temporadas, mas tal período dividiu-se em dois: um primeiro, cumpridor mas sombrio, que antecedeu a chegada de Rúben Amorim ao comando técnico do Sporting. Porque a partir daí Coates ganhou asas. Até sair, aos dias de hoje, com o merecido estatuto de lenda. Diretamente para o mus
A questão é pertinente: o que teria sido a carreira de Coates no Sporting caso Rúben Amorim não fosse o treinador? Nunca se saberá mas, nas quatro linhas da especulação, pode perfeitamente argumentar-se que o central uruguaio dificilmente teria tido o protagonismo que teve ou, fazendo trabalhar ainda mais o martelo pneumático da especulação, provavelmente já teria saído do Sporting há muito tempo.
A melhor notícia para o Sporting é que, também atualmente, a saída de Coates não representa propriamente um cataclismo. É claro que não deixa de ser uma cirurgia delicada, até porque estamos a falar de uma zona do terreno particularmente importante para o desenho de jogo de Rúben Amorim e que, por conseguinte, representa o alicerce da fluidez de todos os restantes setores, na tal lógica de sistema que Amorim prepara cuidadosamente através de um modelo positivamente deturpado com um conjunto de nuances destinadas a baralhar o adversário. Com chave de êxito.
Basta atentar nos detalhes. Num jogo no Dragão que não era decisivo mas que, em caso de derrota e num pensamento extremo, poderia revelar-se como o pontapé de saída de um microciclo negativo, o passe longo de Coates encontrou Nuno Santos no flanco esquerdo, num lance que representou a aurora boreal da conquista do empate. Há sempre a outra face da moeda: o número considerável de golos que o Sporting sofreu através de lançamentos longos nas costas de Coates o que, sendo um problema coletivo, também pode ser analisável do ponto de vista de que o uruguaio já não dá a mesma resposta em termos de velocidade, muito embora nunca tenha sido propriamente um jogador rápido.
Cirurgias requerem sempre minúcia e atenção redobrada, mas, verdade seja dita, a zona central da defesa leonina não está propriamente careca. E repleta de ativos apetecíveis, exponenciados num Diomande pronto para enriquecer a área central (onde pontificava coates) e por um Gonçalo Inácio capaz de dar respostas em todos os pontos. Isto para já não falar de St. Juste. Ou, num segundo isto, para não se referir a notável progressão que Eduardo Quaresma teve na pretérita temporada, onde inclusivamente chegou a ser determinante em jogos de maior nomeada (FC Porto ou Braga).
Ou seja, o maior elogio que se pode fazer à saída de Coates, malgrado os respeitáveis motivos familiares, é dizer que é realizada no tempo certo. Se, por um lado, existe um exército de centrais capaz de suplantar a perda, também é verdade que a probabilidade de Coates entrar em acentuado declínio exibicional seria alta.
Nesta equação, chama-se a palco a variável da liderança dentro do balneário. Macro e micro. Se nenhuma equipa vence ligas sem uma voz ou vozes de comando que, nas alturas críticas, coloquem todos a remar para o mesmo lado (por muito invisível que esse trabalho seja), também há detalhes que valem milhões: como os sábios conselhos ou injeções de confiança que fazem com que, por exemplo, Eduardo Quaresma almeje a equipa principal num jogo de tubarões (FC Porto) e dali não saia. Porque foi enraizado com o cimento da palavra. A voz amiga e experiente de Coates.
Por outro lado, também é crível que um plantel como o do Sporting possua um naipe de jogadores preparados para se chegarem à frente e assumirem uma postura de liderança. Com Hjulmand na pole-position. Porque já lá vai o tempo em que o capitão tinha de ter uma ligação umbilical com o clube ou, no caso, vestir de verde desde pequenino. A globalização trouxe novos mundos ao mundo e, no caso do fenómeno desportivo, o capitão passou a ser reconhecido e valorizado pelo próprio perfil de liderança inerente ao jogador, seja ela dinamarquês ou crescido a passear nas ruas do Bairro Alto.
Por aí, também o recrutamento pode fazer a diferença. Sim, o perfil emocional sempre foi um ponto de referência e não foi por acaso, por exemplo, que Pinto da Costa várias vezes alegou que preferia jogadores brasileiros: falam a mesma língua e, para além disso, adaptam-se melhor. E, no caso do FC Porto, um dos capitães mais emblemáticos dos últimos anos até foi Herrera. De Tijuana e Rio Douro todos temos muito pouco.
Novamente em cena o martelo pneumático da especulação: nunca se saberá se, aquando da contratação de Hjulmand, a mesma obedeceu a um critério que não se balizou às características do jogador dentro de campo. Supõe-se que sim. Num trabalho de sapa minucioso que até chegou ao ponto de perceber que o jogador renderia muito mais noutro contexto, a forma como se estuda tudo tão ao rigor pode. às vezes, destapar o véu do futuro. E assim se faz luz. Assim se garante que as grandes equipas nunca ficam sem capitão. Porque há sempre um capitão na retaguarda que já o é sem o saber.