
Artigo opinião Gil Nunes.
A quase certa permanência de Di Maria no Benfica é uma questão de magnitude: de como pretendemos analisar o assunto. Ou se vemos o argentino como um talento puro, capaz de resolver jogos de um momento para o outro e que, para além disso, é um símbolo do clube; ou então como um jogador que, na pretérita temporada, foi uma excessiva pedra basilar de uma equipa cujos desgastados eixos ofensivos dependiam também de Rafa.
A resposta não se encontra no meio ou, melhor dizendo, está na zona central a tender para a primeira hipótese. Uma equipa como o Benfica, que deve pensar sempre em grande, não pode estar dependente de um jogador de 36 anos e que, na temporada passada, realizou 48 partidas. O mesmo se aplica, por exemplo, ao FC Porto: é certo que Pepe é um exemplo de longevidade e de alta performance. Mas nunca na vida pode ser o elemento com melhor desempenho do centro da defesa, até porque já não tem condições – tempos de recuperação e maior propensão a lesões – para garantir uma utilização harmoniosa, perene e sem sobressaltos.
Porque há desempenhos individuais que são fantásticos. Mas também nocivos do ponto de vista coletivo. Se Bruno Fernandes, que é médio, marcava mais de trinta golos por época com a camisola do Sporting, então algo estava mal. Pois não é normal que tal aconteça, sendo que tal desiderato pode representar, nessa mesma leitura, a exponenciação de um setor ou elemento em campo como maquilhador de todo um sistema que não está a carburar ofensivamente como devia. Normalidade em rutura, ou mesmo a existência de parâmetros não normais.
Daí que olhar para os números seja sempre um risco. Ou, melhor dizendo, os números só ganham eixos de verdade a partir do momento em que se analisa devidamente o contexto. No caso de Di Maria, tal afigura-se como a melhor das soluções: o Benfica não poderá, jamais e em tempo algum, assegurar a permanência de Di Maria como uma espécie de boia de salvação ou manutenção miraculosa do seu melhor jogador. Pois a verdade é apenas uma: o Benfica harmonioso e sustentável nunca poderá ter em Di Maria o seu melhor jogador. Não.
Também poderia entrar em cena o argumento de que as temporadas são, no fundo, ciclo que se estendem. Umas para as outras. Interligadas. E que é obrigação do Benfica (e de todos os grandes) pensar sempre a longo-prazo em termos de equipa e da sua necessária renovação. E por aí reside o problema dos encarnados: sistema tático estanque e cristalizado, sem segundas linhas credíveis que assegurem a devida transição no período pós-Rafa e no quase período pós- Di Maria. E não é o próprio Di Maria que vai resolver o problema.
A renovação de Di Maria passa, deste modo, a ser um benefício e também um perigo. Em primeiro lugar porque, voltando ao início, é sempre bem melhor ter os craques do nosso lado; depois, apresenta-se a bifurcação da dúvida: porque ou se percebe que a utilização de Di Maria tem de ser criteriosa e ponderada, ou então corre-se um risco ainda maior: de ter a equipa dependente de um elemento que não apresenta a necessária plataforma de segurança para ume época repleta de competições, e onde o Benfica não pode ter o mesmo desempenho da temporada passada.
Deste modo, a permanência de Di Maria como elemento da inexpugnável aldeia dos invencíveis, é totalmente contraproducente. Porque o argentino não carrega a poção mágica no cantil. Nem tão pouco faz o papel de druida nesta história. Poderá carregar, isso sim, todo um conjunto de gotículas que, ingeridas no tempo certo, podem colocar a equipa do Benfica um pouquinho mais além. E compete à equipa técnica criar as condições devidas para que, na altura exata, o desequilíbrio se faça sentir em prol dos encarnados. Sim, porque por aí não há dúvidas: se há elemento capaz de fazer a diferença, tal elemento é Angel Di Maria.
É claro que tudo volta à “estaca zero” e também tudo pode ser contrariável no decurso dos primeiros jogos. Agora, lá que a dúvida está cada vez mais saliente, lá isso está: a tal história da troca “peça por peça” que nunca deu muito resultado: Enzo por Kokcu; agora Gonçalo Ramos por Pavlidis; e o lateral esquerdo Beste, que vem tentar ser aquilo que nem Bernat nem Jurasek conseguiram ser. Salva-se Barreiro para dar robustez ao miolo encarnado, carente em alguns jogos onde o fator do duelo físico se fez sentir.
E há sempre a voz dos bastidores. Sim, toda a gente no clube gosta da pessoa Roger Schdmit. Com toda a sinceridade, os que estão cá fora também ficam com a mesma sensação de pessoa afável, séria e humana. Acontece que, na eventualidade de tal representar a verdade, há apenas uma conclusão a tirar: para o Benfica não chega. Ponto. E enveredar pelo escudo do nacional porreirismo, para além de perigoso, é tudo aquilo que não está em causa, sendo que o facto de se ser boa pessoa é de extrema importância, mas, por si, não resolve os problemas táticos de uma equipa que nunca se desenvolveu como pretendia às mãos de Schmidt. O enigma do Natal. Até lá tudo se perceberá. Ou tudo se irá complicar/desmoronar.