
Artigo de opinião de Gil Nunes.
Para os excecionalmente bons há sempre lugar. E para os bons, em condições normais, também. Se o Benfica possui o melhor plantel da liga portuguesa? Sim, sem dúvida. Mais uma vez. Aliás, é pelo terceiro ano consecutivo que tal acontece. E a principal questão reside no facto de não se saber como Schmidt vai lidar com tanta abundância, sendo que muitas vezes o eficiente é mais amigo da vitória do que o belo.
Foi uma das principais críticas da temporada passada: a falta de um central esquerdino, ainda por cima com Morato disponível no plantel. É que já não se usa, a não ser que seja tomada como opção de recurso. Depois, há a questão do estatuto. Ou do “pseudoestatuto”. Títulos de campeão do mundo não compram lugares cativos e não há como esconder que Otamendi foi dos mais periclitantes do último terço da temporada passada. Daí que a participação nos Jogos Olímpicos, por detrás da cortina, até que dá um certo jeito para tudo se reajustar sem o argentino.
É certo que não há equipas iguais mas nota-se que os encarnados procuram recrudescer a fórmula mágica que ditou a conquista da liga de há duas temporadas. E com dois dos seus principais intérpretes: João Mário, na sua rápida interpretação do jogo e garantia eficiente de posse, e um exímio recuperador chamado Florentino. Que aporta uma reflexão do passado: por muito que João Neves e Kokcu fossem tecnicamente evoluídos, de nada interessa quando o perfil é muito idêntico e as duas fechaduras do meio-campo precisam de chaves diferentes.
Acima de tudo, o que se notou diante do Feyenoord foi a assimilação de uma súbita ideia de pressão alta, asfixiante, que encoste o adversário às cordas. É claro que também existe a ideia contrária: o Feyenoord tem qualidade, é certo, mas até um certo ponto. E, caso o adversário esteja uns furos acima, o Benfica corre o risco de ficar despido e muito exposto à transição ofensiva do adversário. Qual Croácia brincalhona diante de Portugal.
Se Rafa já não mora para os lados da Luz, o pior caminho que se poderia trilhar seria o de procurar a réplica perfeita. E numa posição, a dita “10 ou não consoante as dinâmicas, que pode ser multifacetada. Numa primeira análise, com três candidatos a pontificarem: Kokcu, o tal que rende muito mais nas zonas de definição e que provou isso mesmo no último terço da temporada passada e na seleção da Turquia; Di Maria, na sua inegável vertente de jogador mais talentoso dos três candidatos e que apresenta uma maior probabilidade de sacar coelhos da cartola quando menos se espera; e um jovem candidato, Prestianni, que tem vindo a afirmar-se pela capacidade de entendimento com o avançado, jogo entrelinhas e prestação superlativa em termos de atributos técnicos. O que levanta a ponta de um véu chamado mundo desconhecido.
Sim, porque o jovem argentino tem surpreendido e, num flash, seria quase suicida retirá-lo do onze nesta altura. Por uma questão de rotinas assimiladas e de faro de golo, convictamente, mas sobretudo porque poderia atrofiar um retumbante processo de desenvolvimento de um jovem de 18 anos que pode ver o seu valor de mercado multiplicar-se neste início de época. E, numa lógica de sistema, há algo que não pode ser deixado no cantinho do prato: a segurança conferida pela dupla Barreiro – Florentino que, realizando o trabalho sujo de recolha de resíduos e pronta distribuição em zona alta, faz com que as características de Prestianni sejam mais úteis à equipa do que qualquer um dos outros candidatos.
Se Schmidt tem obrigatoriamente de mostrar serviço até ao período de Natal sob pena da sua posição ficar em perigo, há uma lição que parece ter ficado: a pressão alta, o 4x2x3x1 e a agressividade são espetaculares, mas um clube como o Benfica não pode ter um modelo tático estanque, sob pena de o mesmo ser contrariável mais cedo ou mais tarde – há duas temporadas quase perdia o título após o FC Porto ter largado uma bomba atómica tática em pleno estádio da Luz.
A opção pelo 4x4x2, em certos momentos, é uma opção positiva e que, no caso, beneficia as características de Marcos Leonardo. O brasileiro é um ativo valioso e com muita apetência pelo golo, sendo que parece mais perigoso quando atua ao lado de um parceiro. Em dupla. Como se um conquistasse o espaço e o outro fosse galgá-lo em conformidade rumo à finalização pronta e rápida.
Se a entrada de Beste representa risco zero em termos de lateral esquerda – resta saber como irá reagir quando lhe surgirem pela frente adversários de alto gabarito – a pré-temporada dos encarnados representa a exibição do filme de um realizador que quer vencer e convencer no primeiro terço da temporada. Com Liga dos Campeões positiva e um saldo na liga que permita respiração tranquila e pouco ofegante. É certo que largos dias têm cem anos e a eventual pouca plasticidade tática irá, por certo, refletir-se nas contas finais. Mas também é verdade que ninguém consegue pensar direito quando está em estado de emergência. O tal estado que onde ainda vive Schmidt. Aquela nuvem de desconfiança que, embora menos cinzenta, ainda paira de forma constante sobre a cabeça do técnico alemão.