Artigo de opinião de Gil Nunes.
Para os lados de Guimarães, para os lados do castelo, há um médio cujos atributos superlativos lhe dão inclusivamente chancela de jogador de seleção: Tomás Handel. Aliás, numa altura em que o mercado ainda ferve, o grande desafio dos vitorianos será o de manter a jovem joia da coroa nos seus quadros, sobretudo porque o seu desempenho garante todo o equilíbrio da equipa. Bem mais decisivo do que Jota Silva, inclusive, que rumou a outras paragens e deixou emocionado testemunho de perene coração vitoriano, subtil e inteligentemente aproveitado pela direção.
Joga a um, a dois toques, e sempre com uma premissa inabalável: sabe perfeitamente o que fazer antes da bola lhe chegar aos pés. Como os craques: antes da jogada acontecer, ela já foi delineada na sua cabeça segundos antes. No futebol, não há maior velocidade do que aquela que domina a velocidade do pensamento. E não há passada larga que se sobreponha à inteligência de ocupação de espaços, que faz com que não seja preciso muito para se bloquearem vinte ou trinta metros de ação. É esta forma de agir, quase geométrica, que torna Handel um dos melhores médios da liga portuguesa e natural alvo de cobiça por parte dos diferentes tubarões. Ainda por cima com apenas 23 anos e evidente margem de progressão. A maviosa sonata de Handel vale ouro.
É certo que o Vitória é muito superior ao Floriana de Malta e, valha a verdade, uma apática exibição também teria servido para seguir em frente. Agora, o maior dos elogios que se pode fazer é mesmo este: se o adversário não se agiganta, pelo menos agiganta-te tu. Contra o tempo. O Vitória entrou de dentes cerrados, determinado, disposto a eliminar quaisquer nuvens negras que pudessem pontificar nos céus do Dom Afonso Henriques. Rápido e bem.
Se a saída de Jota Silva mexe? Sim. Ou não. Um grotesco “sim” porque Jota garantia aquela pitada de desequilíbrio e imprevisibilidade que desembrulha jogos difíceis e onde a tática dificilmente penetra; e um evidente “não” porque o Vitória mostrou boas soluções. É verdade que a carência de extremos é evidente e mesmo a possível entrada de Gustavo Silva poderá ser insuficiente para se conferir a largura de jogo necessária. Mas para o lugar de Jota entrou um brasileiro irreverente, bom de bola, com capacidade para entrar em diagonal e pisar terrenos mais centrais. Tenha Kaio César um pouco mais de regularidade e, também ele, poderá ser o eixo de desequilíbrio que a equipa necessita.
Holofotes na zona central. Onde tudo acontece. Excelência nas movimentações de Handel, a permitir que Tiago Silva recue para pegar no jogo e Nuno Santos acelere para ligar os sectores de forma harmoniosa. Do lado esquerdo, uma interessante ligação: Mangas mais por dentro, quase como segundo avançado, permitindo que João Mendes conquiste a faixa e, ao mesmo tempo, ganhe a zona necessária para aproveitar a sua capacidade de tiro, característica que foi saliente na temporada passada com a camisola do FC Porto.
Depois, há outro fator muito positivo: o Vitória apresenta boas soluções a partir do banco. Bom recrutamento. A entrada de José Bica (recrutado ao Marítimo) mostrou um dianteiro capaz de ocupar as três zonas de ataque, com boa técnica e capacidade de desequilíbrio. Se Nelson Oliveira apresenta qualidade inegável mas continua a ser sempre aquele permanente ponto de interrogação, a recuperação de Telmo Arcanjo é também uma excelente notícia e a premissa de que a diluição das segundas linhas pode ser um objetivo a alcançar durante a temporada.
É prematuro para se tirarem todas as conclusões – sobretudo do ponto de vista defensivo há muitas interrogações - mas há algo de inquestionável: o Vitória parte para a nova temporada com uma equipa muito arranjadinha e com reais possibilidades de fazer mais e melhor. Se, por exemplo, a potenciação de Handel é mérito de Álvaro Pacheco, também é certo que Rui Borges parece ter sido a escolha certa: acima de tudo, o Moreirense da temporada passada apresentava um dos desenhos mais atrativos da liga e, mais importante, percebia-se a rentabilização dos seus quadros de forma plena – Alanzinho e Gonçalo Franco como os melhores exemplos.
E o maior receio que podia advir da mudança de técnico parece, à primeira vista, estar a desaparecer no horizonte: a mudança de um sistema de três para dois centrais, algo que não deixa de representar, em todo o caso, uma verdadeira intervenção cardiovascular. Seria errático dizer-se que o Floriana dissipou todas as dúvidas mas também é realista olhar-se pelo outro lado: que a equipa está em crescendo, lá isso está. E com atitude de conquistador.
Agora, é só ouvir e interpretar o cântico. “Quando eu era pequenino, já tinha a mentalidade: meu pai dizia-me, filho defende as cores da tua cidade”. Sempre ao lado do clube, mas agora ainda mais que nunca e até pelo país. A eventual qualificação do Vitória para a fase de grupos da Liga das Conferências resultaria num duplo benefício: em primeiro lugar a potenciação do Vitória europeu que todo o país precisa; depois, a elevação dos patamares de equipa e novas exigências provenientes da gestão entre provas internas e europeias. Sim, pode doer. Sim, o Vitória até pode perder uns pontos dentro de portas. Mas, por outro lado, poderá crescer como nunca. Rumo à necessária estabilidade que potencie um clube de positivas características singulares, com uma massa adepta pronta a agigantá-lo. É ainda cedo, é ainda muito cedo: mas para já, seja a visão turva ou nítida, habemus Vitória!