
Artigo de opinião de Gil Nunes.
Percebe-se a intenção de Vítor Bruno ao referir que o embate da Supertaça foi um “jogo isolado”. Sim, porque as baterias estão apontadas à conquista da liga e assentes num cenário onde o grosso da coluna apresenta características de dominado e muito diferentes daquelas que o Sporting apresenta. Daí que a equipa, com a respetiva margem de tolerância, esteja a ser preparada nesse sentido. Para os treze adversários que não os grandes.
Foi o resultado perfeito. Aliás, nem que os dragões tivessem vencido por cinco a zero, o cenário teria sido tão perfeito ou motivador. Afinal de contas, uma equipa só presta verdadeiramente provas quando está a perder – ainda por cima de forma grotesca – e consegue a reviravolta. Contra tudo e contra todos. Demonstra carácter. E atitude. Para colar na parede do laboratório do Olival.
O irónico de toda a análise é que o FC Porto, efetivamente, até entrou bem no jogo. Com uma pressão alta e destemida, os dragões não hesitaram no condicionamento efetivo da linha defensiva e no “casulo” a Hjulmand, para condicionar a sala de máquinas leonina e impedir a criação dos canais de comunicação rumo a Gyokeres. Acontece que o Sporting marcou na sequência de uma bola parada e tudo mudou. Os dragões entraram em parafuso e a estratégia do Sporting, agora não refém da boa entrada dos dragões, começou a resultar: atração dos extremos do FC Porto para zonas mais interiores com o intuito de se criar espaço para a entrada dos laterais do Sporting que, no fundo, eram autênticos alas. E o recuo estratégico das linhas defensivas e médias com o propósito de definir o espaço para o terramoto Gyokeres (assim aconteceu o segundo golo) explorar em conformidade, sobretudo se a componente do duelo físico entrava em palco e o sueco, nessas coisas, não costuma dar hipóteses. Como não deu.
E a questão impõe-se: a vencer por três, o que é que esteve na base da reviravolta portista? Acima de tudo, três fatores essenciais: em primeiro lugar, a devida consciencialização, por parte do FC Porto, que o que estava a acontecer era um epifenómeno e que tudo também podia ser contrariável, fosse o exemplo da final da Champions de 2005 o mais pertinente ou não; depois, da parte do Sporting, um conjunto anormal de falhas individuais – transição ofensiva na segunda parte e erros próprios de Debast e Koavecevic – que não estavam nos planos. E que merecem reflexão: é certo que, no início da temporada, a propensão para a falha individual é sempre maior e derivada da condição humana em si. Mas há também o possível relaxamento diante de um tubarão, algo que não se admite e tem mesmo de ser analisado urgentemente; e, como terceiro fator, a chave do cofre: duas substituições absolutamente certeiras operadas por Vítor Bruno: se a entrada de Eustáquio permitiu que o FC Porto ganhasse metros e conseguisse entrar na área com uma maior regularidade, a entrada de Ivan Jaime foi ainda mais oportuna: o flanco esquerdo dos dragões passou a ser um polo de jogo interior, com o lateral leonino a perder fulgor para acompanhar e manter a consistência defensiva, ainda por cima com a locomotiva Galeno a galgar frequentemente desde a retaguarda. E, do lado oposto, com Martim Fernandes a apresentar um rendimento muito alto – até fora do expectável – o que provocou alvoroço em torno da estrutura defensiva leonina – que, para já, esperava João Mário; e, depois, não contava com um corredor também tão ativo, sobretudo no ocaso do jogo.
Houve também um quarto fator. O fator extra. Que não foi determinante, mas ajudou de sobremaneira à conquista da vitória: o bom rendimento dos jogadores do FC Porto que saíram do banco representando, como Vítor Bruno disse e bem, verdadeiras munições para a conquista do título. Se a mobilidade de Fran Navarro confundiu a linha defensiva leonina, surpreendeu sobretudo a capacidade de Vasco Sousa em se impor nos duelos físicos, com um jogo de garra que obrigou os médios leoninos a um conjunto de ações que não estavam nos planos e que, logicamente, provocaram um desgaste tremendo.
É lógico que a falha de Kovacevic foi fulcral e, verdade seja dita, exige-se muito mais a um guarda-redes que chegou para ser titular, muito embora exista uma grande atenuante contextual: do Raków da Polónia ao Sporting vai uma grande diferença e a estabilidade emocional proveniente de tão gigantesco salto não se adquire num só mês. Paciência precisa-se.
Sobre Debast, o raciocínio assemelha-se mas desvia-se ligeiramente: porque o sistema de três centrais do Sporting pressupõe a existência, na zona central, de um elemento mais fixo e habilitado para servir de referência e, de forma indireta, para dar asas a companheiros de setor mais móveis e habilitados a definir a primeira fase de construção quer na sua génese quer, sobretudo, na sua capacidade de alimentar os corredores laterais. E é claro que, no rescaldo, Rúben Amorim coloca em prática a sua filosofia de Sun Tzu: “fraco quando estás forte e forte quando estás fraco”. E Debast passa a ser o melhor do mundo no momento da falha – tal como aconteceu com Franco Israel quando, na temporada passada, vacilou diante do Estrela da Amadora.
No fundo, o FC Porto quase que ganhou a lotaria: obteve um resultado que, para além de ter significado a conquista de um troféu, representa a referência ideal para quando a equipa estiver a perder e necessitar de redobrar as suas forças. Para os lados do Sporting, a plena consciência de que tem de encaixar duas novas peças (Kovacevic e Debast) no seu puzzle de nuances e que tal não se conquista em meia dúzia de semana; e, fazendo uma espécie de diagrama de Venn, há algo que une ambas as equipas: a necessidade de melhorar o desempenho defensivo. No caso do FC Porto com reforços; do lado do Sporting com afinações e trabalho.