
Artigo de opinião de Gil Nunes.
É o fascínio pelo diferente, resvalando para o excêntrico mas não atravessando essa fronteira sob pena da equipa ficar deturpada na sua própria identidade. Os leões almejam a nova temporada com a Rúben Amorim premissa de sempre: não interessa construir a melhor equipa. Interessa, isso sim, construir a equipa mais diferente de todas as outras. Seja no modelo de jogo, seja nos intérpretes individuais – com Gyokeres à cabeça.
Será uma antítese ou uma coerência? O Sporting marcou doze golos nos três jogos oficiais que realizou, o que equivale a uma tremenda média de quatro tentos por jogo. Acresce o facto de um dos adversários em questão ter sido o FC Porto o que, não menosprezando as linhas defensivas do Rio Ave e Nacional, torna o cenário ainda mais meritório. Numa análise fria, numa análise de folha contabilística da coisa, rapidamente se poderia concluir que a linha avançada não representa um problema para os já bem apetrechados quadros leoninos. Imediato.
No entanto, o vento tem trazido outras notícias. Tal como na temporada passada em relação a Gyokeres – era o sueco ou quase que não era mais ninguém – o Sporting estica-se ao máximo para tentar contratar Ioannidis ao Panathinaikos. Aquilo que poderia ser quer uma antítese quer uma tonteria desagua no tronco principal da árvore do ADN de Amorim: ser diferente. É que Ioannidis, ao nível das suas movimentações mas sobretudo no que toca às suas características relacionadas com mobilidade na frente de ataque, pode ser o complemento perfeito para um Gyokeres que, muito embora cumpra e resolva, não poderá passar o resto da vida como cavaleiro solitário na pradaria da dianteira. Até porque para tudo há antídoto e Gyokeres não foge à regra.
É claro que falar de Ioannidis é mencionar um alvo profundamente dispendioso mas, verdade seja dita, ninguém melhor que o leão para saber que o caro sai barato. Seja como for, o mundo também não acaba no avançado grego: as notícias em torno de Vítor Roque também pululam, sempre rumo a uma uniformidade de pensamento: a busca pelo diferente, a procura de uma chave-mestra que seja difícil de replicar/contrariar por parte dos adversários. Poção mágica.
E, a partir daqui, ruma-se em direção à estrada da coerência: o que o Sporting pretende, mais do que reforçar a sua frente de ataque com as ditas “munições” de Vítor Bruno”, é potenciar um modelo de dois avançados em que não tem comparação possível em Portugal. Passa-se ao papel: à semelhança do que aconteceu em temporadas passadas, qualquer equipa se prepara para enfrentar um conjunto de adversários que, malgrado todos os modelos e diferentes nuances, afina sempre por um padrão e por um conjunto de fronteiras. Depois há o Sporting: preparar o embate frente ao Sporting é como preparar uma aterragem no aeroporto da Madeira: sempre diferente. Tem de haver uma preparação especifica que, no caso do futebol, desagua em falta de tempo e capacidade de potenciação desse mesmo tempo em termos de laboratório e, por conseguinte, em termos de rentabilização dentro da cápsula do próprio jogo.
Existe o óbvio: para um avançado entrar alguém tem de sair. E, na lógica de que o elemento a sair da casa do Big Brother nunca será um elemento da frente de ataque ou de alguém que orbite essa mesma zona, a solução passará por retirar alguém da retaguarda. Um risco mas também um risco com lógica: se os leões atuam, na maior parte dos jogos, na posição de dominador, a perspetiva de asfixia do adversário poderá ser de tal forma intensa que dificilmente poderá ser contrariável de forma regular. Apenas uma resposta definida em recipiente de fenómeno de circunstância, o que poderá justificar a presença de menos homens na retaguarda ou, de uma forma mais hábil, de menos homens a controlarem um espaço maior.
Há a outra face da moeda: os jogos em que o Sporting, seguramente, não vai estar numa posição de dominador. Por aí sempre necessária alguma salvaguarda, até pela última experiência de participação na Liga dos Campeões: a rotação é imperiosa, ainda por cima quando a joia da coroa, Gyokeres, necessita de repouso regular. Porque o sueco é o foco do desequilíbrio e a cereja que pontifica num bolo repleto de nuances que tornam o Sporting indecifrável de jogo para jogo.
Se o discurso de Amorim se refinou em termos de definição de novos objetivos – vamos ganhar o bicampeonato como há 70 anos não se faz nesta casa – a prioridade passa por se estabelecerem plataformas de harmonia entre aquilo que se passa dentro e fora de campo. Porque se Ioannidis ou Vítor Roque não aterrarem no Humberto Delgado, outras soluções há na carteira. Acima de tudo, perceber que a busca pelo tal modelo de jogo completamente diferente será uma consequência a efetivar e nunca uma sofreguidão por si. Com ginástica competitiva – até porque as competições serão muitas e exigentes – o leão coloca o pé no acelerador para limpar todos os pontos possíveis nesta reta inicial. Com rugido forte e não traumatizado pela hecatombe da Supertaça. Houve, simplesmente, um dia assim.