
Artigo de opinião de Gil Nunes.
O Sporting – Porto foi, acima de tudo, um grande jogo de futebol entre as duas melhores equipas da liga portuguesa. Aliás, e felizmente falando, voltou a ser um tremendo jogo de futebol depois de uma Supertaça espetacular e também decidida ao milímetro. Assim vale a pena!
Muito embora a organização defensiva tivesse desempenhado, e uma vez mais, um papel fundamental no desfecho da partida, saliente-se a postura arrojada de cada um dos treinadores em ferir o outro, sempre com a premissa de que a vitória era o único e mais cintilante objetivo. Nada de retrancas. Empates nem pensar! Se um jogo desta natureza provoca mediatismo a nível internacional, regista-se que a noite de sábado foi produtiva e com positivo impacto a montante em termos de capitalização de interesse em torno da liga portuguesa. Um postal fantástico!
Sobre o jogo em si, uma base: adivinhava-se, com o decorrer do cronómetro, que a equipa que mais cedo alcançasse a vantagem no marcador dificilmente permitiria um revés. E o filme do jogo teve a sua cena mais emocionante na grande penalidade cometida por Otávio: porque, por momentos, todos os dragões se esqueceram que Gyokeres estava em campo e, mais importante, esqueceram-se que o sueco é efetivamente o melhor jogador da liga portuguesa e o mais importante foco de desequilíbrio dos leões. No filme todo: fosse no risco de Galeno (mais um grande jogo) no último terço; ou na forma como o casulo a Hjulmand careceu de alguns centímetros; ou a forma como Otávio abordou o sueco o que, não sendo propriamente errada, demonstra que o FC Porto necessita de um rendimento um pouco superior no seu calcanhar de Aquiles – a zona central. Nehuen é top e é bem-vindo. Mas, se calhar, ainda é preciso mais um ajuste para a moldura não ficar quebrada com o passar do tempo.
Mas houve muito FC Porto em Alvalade. Com um magnífico repertório de nuances que tornaram e tornam a equipa imprevisível. Logo no início do jogo, por exemplo, saliência para a magnífica forma como Martim Fernandes soube explorar o flanco direito, obrigando ao recuo de Geny e desestabilizando uma zona central da defesa que, muito embora seja o eixo de construção leonino, necessita de ser constantemente recuada para ser maltratada. Se, até nos cantos estudados ao milímetro, o FC Porto esteve bem, os leões responderam com ataque forte aos corredores, obrigando ao recuo dos portistas. Do lado do Sporting, fosse saindo a quatro ou a três (apoios de Morita e Hjulmand), a libertação dos corredores permitiu, por inerência, a “vagabundagem” de Pedro Gonçalves do lado esquerdo do ataque, com Trincão a compensar do lado contrário em diagonal. É certo que não há fórmulas perfeitas e a do Sporting nem precisa de ser: o lance do golo foi elucidativo. O adversário até se pode agigantar no último terço mas, em caso de falha, há sempre a resposta da profundidade definida pelo tal sueco que faz toda a diferença do mundo.
Profundidade. Por aí também a chave do jogo. Se os dragões têm apresentado, neste início de temporada, uma componente ofensiva complexa e definida por um conjunto de mudanças de posição que tornam a equipa imprevisível (leia-se também mais resoluta em termos de jogo entrelinhas = maior número de oportunidades de golo diante de equipas de menor dimensão), o jogo em Alvalade consolidou um ponto fraco que, desde as chegadas de Samu e de Gul, vai deixar de o ser: a falta de profundidade da linha ofensiva – sobretudo porque Galeno joga a defesa esquerdo. O ladino Sporting aproveitou-se disso mesmo: a canalização do jogo para zonas avançadas, para além do arrojo em si, fez com que a forma mais eficaz de se desembaraçar da teia fosse a profundidade que, no caso, apenas era consubstanciada pela subida dos laterais.
No entanto, a metamorfose do dragão voltou a fazer das suas. Num curto espaço de minutos, o FC Porto ora recuava Varela para a primeira fase de construção ou, de forma mais corajosa, construía o seu meio-campo numa espécie de diamante que impedia a construção leonina. E Vítor Bruno tem razão no aspeto-chave da partida: na realidade, o golo leonino apareceu no período de maior controlo dos dragões o que, também na realidade, acaba por também ser a face luzidia deste Sporting: o controlo é totalmente ilusório quando Gyokeres está em campo.
Nos últimos minutos, os dragões fizeram de tudo: potenciação do flanco direito com entradas de Gonçalo Borges e João Mário (boa resposta de Amorim com entrada de Matheus Reis) e colocação de referência de profundidade com Samu. E meio-campo a arriscar mais nas entradas na área com Eustáquio a tentar fazer o mesmo que fez no embate da Supertaça. Os dragões tentaram e não ficaram longe do empate mas é claro que linhas subidas acabam por ser fatais, sobretudo quando se um Geny Catamo que, mais uma vez, demonstrou clarividência nos movimentos de diagonal e finalização.
É lógico que nenhuma liga se resolve à quarta jornada mas, inequivocamente, a lição deste clássico é efetiva: há um pequeno fosso entre Sporting e FC Porto e todos os demais. E, claro está, uma liga como a portuguesa decide-se nos embates diante de equipas mais pequenas, sendo que ambas, nesse cenário, ainda não apresentaram qualquer deslize. Sim, é certo que não há campeões à quarta jornada mas as apostas podem ser, desde já, realizadas: dificilmente o futuro campeão nacional não será verde ou azul. Um dos dois. Muito, muito provável.