
Artigo de opinião de Gil Nunes.
Vítor Bruno disse que os dragões foram avassaladores mas, porventura, o adjetivo só teria real corpo se o FC Porto tivesse goleado. Sim, é verdade que Ricardo Velho realizou uma exibição do outro mundo, mas também é verdade que tanto desperdício evidencia que a capacidade de finalização ainda não está aprimorada como deveria estar. O FC Porto está longe de ser um produto acabado. Mas, lá que fez um jogo de arromba, lá isso fez. Gigante. Dragão Super-Homem.
Avassaladores não. Mas dominadores de uma ponta a outra sem dúvida. E é a diferença em relação ao que se passava na temporada passada: os dragões metem mais gente na área, arriscam muito mais e, sobretudo, produzem um futebol pródigo em oportunidades muito frequentes. Ou seja, ver o FC Porto jogar é constatar uma dinâmica ofensiva permanente e dotada de atributos capazes de baralhar o adversário a qualquer momento. Para a frente e sem qualquer receio. Ou, num segundo “ou seja”, o FC Porto de Vítor Bruno está mais atrevido mas, sobretudo, menos laboratorial e robótico do que aquilo que acontecia nos tempos de Sérgio Conceição.
Diante do Farense, a ideia inicial passou por explorar as costas da linha defensiva através de incursões de jogadores rápidos e tecnicistas – casos de João Mário e de Pepê – e alimentados por um Alan Varela que tanto saia a jogar numa linha de três como se aventurava no meio-campo ofensivo e não hesitava na altura do passe longo. Outra dinâmica interessante passou pela canalização do jogo pelo lado esquerdo (Galeno em evidência), com a respetiva atração pelo flanco contrário a encontrar Iván Jaime em diagonal curta a partir do centro – cenário idêntico ao que desaguou no golo apontado ao Santa Clara.
A justiça dentro da injustiça ou a constatação de que as coisas são mesmo assim. É certo que, em face da presença de Samu, Namaso tem os dias contados na frente de ataque mas, nem por isso, deixou de rubricar uma exibição altamente positiva. A forma como recuou para zonas de definição e soube acrescentar critério foi fundamental para a edificação de um FC Porto de posse que, na primeira parte, também foi altamente perigoso em termos de exploração de lances de bola parada.
Na segunda parte, saliência para a derivação de Galeno para o centro do ataque (em diagonal) e para o recuo de Iván Jaime para zonas “gaiola” de criação – meio ou então entre o lateral e o central – com o intuito de confundir uma linha defensiva algarvia que tremeu também perante outro aspeto específico do jogo dos dragões – a liberdade da linha média para tentar o remate de fora da área, algo que não era tão visível nos tempos de Sérgio Conceição. E, com o passar dos minutos, a maior propensão do FC Porto para a exploração dos corredores, conjugada com a entrada de Samu que – poderio físico, capacidade de choque e instinto de goleador – acabou por se revelar fundamental no desiderato final.
É certo que nem tudo está bem em termos de transição defensiva. Ou então estará tendo em linha de conta a existência de um grande povoamento das zonas ofensivas e, utilizando a lupa, se calhar é preferível que o cenário seja mesmo assim. É também certo que, para que tudo funcione, é necessário ser eficaz nas situações de confronto individual.
Se perder o duelo defensivo com Gyokeres é compreensível, o problema é o possível trauma – ou síndroma – daí resultante. Nem displicente nem desatento. A forma como Otávio perdeu o duelo individual para Tomané foi característica de quem já abordou o lance devida e mentalmente escaldado por situações anteriores. Vou com tanto cuidado ao lance que acabo por perder a confiança e o meu adversário, sem grande esforço, acaba por levar a melhor e ficar em contexto privilegiado para marcar. E tudo corre mal na pior altura possível – naquele preciso momento em que está à espreita um jogador do estatuto de Tiago Djaló e a quem nem se pode dar um milímetro.
Faz lembrar um pouco aquilo que aconteceu ao bracarente Niakaté na temporada passada. Exibições consistentes do ponto de vista coletivo mas uma tendência para a asneirada valeram-lhe a saída pedagógica e quase obrigatória da equipa. E quase num cenário de cascata: erro quase que puxava erro e, no caso, não houve outra alternativa senão tirá-lo da equipa durante um período cirúrgico e determinado.
Na conferência de imprensa pós-jogo, Vítor Bruno faz o que lhe compete: procura estancar a hemorragia e defender o jogador de todas as críticas. Seja como for, mesmo que não o revele nem no grosso nem nas entrelinhas, a situação não é propriamente fácil de gerir e impõe alguma ponderação. Até porque o jogador contempla atributos de extrema qualidade: é esquerdino, constrói bem e, feitas as contas, pode ser determinante na hipotética construção de uma linha de três a partir da retaguarda – situação que foi testada na temporada passada (Estrela da Amadora) mas congelada após lesão grave de Iván Marcano e subrendimento de David Carmo. Sim, são dores de crescimento. Fazem parte. Desde que não coloquem em causa todo o restante organismo: nesse caso, o único caminho é o da remoção imediata. Algo que Vítor Bruno quer evitar, até porque é necessário que o grupo compreenda que o erro é admissível e tolerável dentro de um espectro de equipa solidária onde ninguém fica para trás. Novos ventos do FC Porto. Até no discurso.