
Artigo de opinião de Gil Nunes.
Pior do que um avião desgovernado é um avião que não sabe para onde ir. E os primeiros dias de Bruno Lage no comando técnico do Benfica têm sido pautados por essa máxima: passos firmes em relação à construção de uma identidade que, não sendo perfeita, permita que o Benfica possa, pelo menos, navegar em águas menos turbulentas e de acordo com o manancial de qualidade um plantel que, mesmo desequilibrado, tem muito combustível para voar sem se preocupar muito com o aeroporto de destino.
Santa Clara e Estrela Vermelha partilham, para além do encarnado na indumentária, o facto de terem sido enfrentados pelo Benfica com o mesmo onze. O caminho da identidade: mais do que aferir se “a” ou “b” poderia ter rendido mais, o que interessa neste momento é estabelecerem-se os pilares por onde a equipa possa caminhar sem sobressaltos. Os alicerces táticos. Sem a preocupação de se definir o tal Benfica de Lage. Até porque o mesmo não pensou nem concebeu o plantel. Herdou-o. Como tal, a prioridade passa por se estabelecer um conceito de equipa que possa ser flexibilizado ao longo do tempo, e indo de encontro à também máxima de que um treinador é, na realidade, a sua ideia de jogo. Sempre por aí.
O novo Benfica assumiu algumas ruturas: desde logo a queda de um duplo pivô defensivo – Florentino e Barreiro – que entorpecia a equipa na sua dinâmica ofensiva e a fazia conceber o jogo como se de uma formação pequena se tratasse. Sim, é legítimo fazer o que aconteceu nos derradeiros minutos diante do Estrela Vermelha – o recrudescimento da dupla – com o objetivo de se segurar o resultado numa altura de risco total por parte dos sérvios e consequente caos instalado. Mas nunca definir a dupla como padrão. Nunca. É certo que falta aos encarnados um jogador que pense o jogo que não Kokcu - que rende mais na posição dez. Seja como for é o que se tem neste momento e, de polivalente de serviço, o médio turco passou a absolutamente preponderante na definição da manobra ofensiva. E bem.
A Florentino cabe muitas vezes o papel de herói invisível. No lance do primeiro golo do Estrela Vermelha, atente-se na forma como o jovem médio condicionou a equipa adversária no sentido de puxar o jogo para a sua direita, dando o devido tempo à linha defensiva do Benfica para se reorganizar e, no caso, para estabelecer as rédeas da transição defensiva. Se o contra-argumento pode ser construído a partir do momento em que o isolado Florentino pode não chegar para as encomendas (note-se que o Estrela Vermelha procurou abundar e bem essa zona do terreno de forma contínua) e que o Benfica perde consistência nos duelos individuais, certo é que a ação do jovem médio tem um alcance muito superior do que o que parece à primeira vista. E que é característico de uma equipa grande que deve correr certos riscos – até em exposição defensiva – para fazer prevalecer uma ideia inquebrável de domínio na grande maioria dos embates.
Outro ponto de rutura fez-se sentir com a saída de Prestianni da equipa e inclusão de Rollheiser. A ideia passou, sobretudo, por unir as linhas e garantir que a circulação providenciada por Kokcu tem a devida consequência em zonas adiantadas. Sem áreas ofensivas remotas. E com a ideia Di Maria sempre presente: agora é vê-lo menos em jogo, é certo, mas mais resguardado por um conjunto de dinâmicas que conferem ao Benfica uma nova ideia não tão dependente de um craque argentino que, independentemente de tudo, tem sempre a capacidade inata de desequilibrar de um momento para o outro.
A surpresa escrita a Akturkoglu ou, melhor dizendo, a surpresa considerando a sua capacidade de desequilíbrio (em velocidade e não só) e predisposição para a penumbra tática em face das necessidades da equipa. Sim, é certo que marcou um golo numa situação de antecipação em que percebeu a jogada um segundo antes que todos os outros, mas o mais importante de tudo residiu na sua ação na segunda metade, quando derivou para o flanco direito com o intuito de bloquear o corredor esquerdo dos sérvios. Se os excelentes jogadores são aqueles que dispensam o período adaptativo e definem, no imediato, um considerável processo de rendimento, a contratação de Akturkoglu careceu de informação em termos de origem (mas afinal quem o pediu?) mas é completamente bem-sucedida na medida da indiscutível qualidade do atleta e, também, na constatação de que o Benfica precisava de extremos. Como continua a precisar. Retoques.
E os encarnados continuam bem longe de um Sporting fortíssimo e de um FC Porto que se está a capitalizar jogo após jogo. Mas também a ideia do Benfica, pelo menos para já, não pode ser essa. Interessa, isso sim, sossegar as tropas e fazer vingar a máxima de que a equipa passou a ter um rumo mais ou menos questionável. Sempre melhor do que andar à deriva. Fazer melhor do que aquilo que Schmidt estava a fazer não é propriamente difícil. Não é. Mas o trabalho de recauchutagem e alinhamento da direção pressupõe um trilho de desenvolvimento diante de adversários menos fortes que sirvam de alavanca para os desafios que se avizinham. Por passos rumo ao tal Benfica de Lage.
Que não vai salvar nem deixar de salvar a face de Rui Costa. A dispensa do técnico alemão pecou por tardia, depois de ter sido ecoada ao limite de um consenso que atravessou clubes e opinião pública. Se os bons líderes – como aconteceu com António Salvador em Braga – pressentem o perigo antes dele acontecer, há quem não tenha a mesma capacidade. Ou então existe um ano para Rui Costa provar que todos estão errados e que descuidos pontuais há muitos. Palavra ao Presidente. Não ao treinador.