
Artigo de opinião de Gil Nunes.
Uma equipa que marca três golos ao Manchester United é uma grande equipa. Certo. Mas uma equipa que marca três golos ao Manchester United e não ganha é uma equipa desequilibrada. Também certo. E o certo até é amigo do encanto: é sempre mais agradável ver-se uma equipa a atacar do que fechada no seu casulo, a bloquear os pontos fortes do adversário e à espera da transição ofensiva. O problema é que o FC Porto é romântico em demasia. Joga demasiado ao ataque sem a devida proteção à retaguarda. A certo ponto o romantismo começa a cheirar mal. Dá sanita.
Com onze ou com dez, o Manchester United conseguiu criar sempre oportunidades de golo. Rematou que se fartou. Diz a estatística que até mais de trinta vezes. E o principal perigo do FC Porto é mesmo esse: a equipa está a ser construída da frente para trás, o que é fantástico do ponto de vista de uma liga portuguesa onde os dragões podem e devem exercer o papel de dominador na maior parte do tempo, mas é contraproducente quando o jogo perde contenção defensiva e maior resguardo do bloco e do resultado. Daí a leitura ser uma: desequilíbrio. Não catastrófico. Mas pontual. Na realidade, o FC Porto dos últimos minutos esteve involuntariamente agarrado às cordas.
Nada pode ser apontado a Diogo Costa. Há dias assim. Nos dois golos que sofreu podia ter feito bem melhor, mas a raiz do problema não esteve no guarda-redes. O United usou e abusou de entradas pelo corredor direito – mal protegido pelos dragões sobretudo no primeiro tempo – com João Mário a não ter o rendimento suficiente e, ao mesmo tempo, a não ter o apoio no momento decisivo. Mas a água não penetrou só por aí: os médios do United entraram com relativa facilidade na área e houve espaço para uma circulação mais ou menos conseguida que, não sendo propriamente mecanizada ao expoente de grande equipa, colocou em alvoroço uma defesa portista que teve trabalho de sobra. Trabalho em excesso.
É certo que, na segunda parte e sobretudo após a entrada de Martim Fernandes que permitiu a construção de uma linha de cinco – Martim muitas vezes a central e João Mário a lateral (protegendo as incursões do United por ali) , o FC Porto esteve bem melhor no resguardo dos corredores, com ações que bloquearam o espaço dos laterais e, também, asseguram a tal dobra quando os alas se colocavam em posição de ataque à área. E Vítor Bruno tem meia razão. Ou seja, não tem razão quando refere que a equipa, na segunda parte, foi exímia a defender pois garantir um território inexpugnável não pode ser sinónimo de um alto número de remates protagonizados pelo rival. Exímio nem pensar. Talvez razoável ou razoável a tender para o bom.
Mas, por outro lado, Vítor Bruno tem toda a razão do mundo quando sublinha o inequívoco mérito de uma equipa que está a perder por dois frente ao United e consegue a reviravolta no marcador. Porquê? Porque o ataque é dinâmico, versátil, e tem inúmeras formas de se verbalizar dentro de campo. Nesta partida, os dragões apostaram muito na pressão ao lado esquerdo contrário, com subidas recorrentes de João Mário e cruzamentos frequentes para a área onde apareciam Samu e Galeno. Interessante também a forma como Nico – o melhor dos dragões – galgava metros em busca da área contrária, com ações determinantes quer de recuperação em zona alta quer de definição criativa em momentos-chave. E bem sustentados pela tal âncora Alan Varela que puxava a equipa para a frente, com Eustáquio na tal função de entrada no último reduto ao mesmo tempo que tentava proteger a transição defensiva e garantir a eficiência da proteção ao lateral.
Dado preocupante a reter prende-se com o facto de Bodo e United terem marcado golos ao FC Porto com dez jogadores em campo. O que ratifica uma postura defensiva deficitária ou, por outras palavras, ainda mal limada para aquilo que se pretende. Faz todo o sentido argumentar-se que parte da estratégia, sobretudo se o FC Porto estivesse em vantagem como esteve, passava por baixar o bloco e sair em transição rápida (com Fàbio na definição e Gul mais em velocidade de ponta) mas nada se consubstancia a partir do momento em que o bloco, mesmo contra dez, continuou a não impedir a circulação do United e o foco de alimentação no seu corredor esquerdo. E o FC Porto recuou, recuou e recuou mesmo após a entrada de Grujic.
Os dragões tiveram mais do que oportunidades para fechar o jogo e a definição no último terço é uma lacuna. Tal como acontece com o Benfica, por exemplo, que padece do mesmo problema. Mas o empate do United surgiu na sequência de um canto relativamente simples e onde Maguire não teve a cobertura adequada. Aliás, a própria estratégia de Ten Haag para os últimos minutos passou pelo reforço do corredor aéreo, algo que se viria a revelar determinante e afortunado.
O FC Porto não perde nada em termos de aspirações europeias com este empate. Nada. Mas, se calhar, deveria ser um pouco mais prudente nas abordagens. Querer ganhar este mundo e o outro é espetacular mas, se calhar, o mais sensato é colocar as fichas todas na vitória frente ao Hoffenheim. O próximo adversário. É que ser demasiado glutão também fora do campo pode resultar em fanfarronice. E o carro do FC Porto precisa de uns bons travões. E de estradas mais tranquilas, isto apesar do sol pontificar em cada reta e em cada curva. Bem e recomenda-se.