Artigo de opinião de Gil Nunes.
Agora siga! Já está! Para Manchester e ainda por cima com a moral em alta depois de se ter despachado o City por 4-1. E, nestas coisas, não vale a pena olhar para trás. Seja como for, sair a meio da temporada de uma das melhores equipas da Europa (construída com pinças pelo próprio), com legítimas expectativas de chegar muito longe na Liga dos Campeões e com todo o fôlego nas competições internas para o instável 13º classificado da liga inglesa (por muito mágico que seja o clube em questão) não deixa de ser uma decisão discutível. Mas, uma vez mais: Rúben Amorim tem direito a fazer o que quiser. Ninguém pode censurar ou questionar quem deixa tanta obra feita. E vai singrar no Manchester United. Sem dúvida alguma. Porque é um treinador excecional.
Se foi uma noite brilhante? Talvez não. O Sporting cilindrou o Manchester City mas, ainda assim, teve alguma estrelinha do seu lado, dado que na primeira parte o campeão inglês foi claramente superior. Por dentro ou por fora e sempre com uma tremenda qualidade em posse – leia-se também jogo entrelinhas (Bernardo Silva) e persistentes ações de rutura – o City contempla ainda soluções de emergência que, no fundo, não o são: como a bola ao segundo poste ou em profundidade para Haaland; ou então a disponibilização de espaço de um contra um para Savinho explorar no flanco direito.
O golo apontado é caraterístico de uma grande equipa: criação de uma redoma artificial em torno de Morita, para que Debast caísse na ratoeira e colocasse a bola na boca do lobo. O defesa belga caiu que nem um patinho e o City fez prevalecer uma das suas armas: a pressão alta e o consequente incómodo ao adversário na sua construção em zonas baixas, algo que curiosamente o Sporting costuma ser especialista – veja-se o que aconteceu diante do Lille. E com Trincão bloqueado na altura de recuar e restabelecer a dinâmica de circulação. O City esteve bem. Estudou o Sporting ao detalhe.
Quase como uma equipa de andebol em busca do pivô, o City foi completamente superior na primeira parte e, diga-se de passagem, o Sporting empatou numa das duas chances em que conseguiu sair em transição ofensiva. Batendo de frente com a questão: na realidade, o Sporting até podia estar a defender melhor ou pior mas o controlo do jogo não passava por aí: o City dominava o Sporting porque o Sporting não conseguia sair em transição ofensiva. Não atacava. Como tal, era asfixiado. Naturalmente. Dois mais dois são quatro.
Há algo que separa, pela positiva, a equipa do Sporting das demais. O poder das nuances. Do detalhe. A forma como os leões iniciaram a segunda parte foi laboratorial e esmiuçada ao pormenor: circulação em zonas baixas e canalização para o flanco esquerdo com a pincelada de criatividade a ser dada por Pedro Gonçalves; e o fundamental movimento de arrastamento de Gyokeres para a esquerda, com o intuito de levar os defesas com ele e provocar a entrada dos médios de rompante. Deu em golo e, sobretudo, deu um novo destino ao jogo na altura e no momento certo.
E o terceiro golo também teve algo de ponderado. Sempre que tiveres a bola, acelera. Trincão fê-lo por bastantes vezes na primeira parte de forma infrutífera, mas a máquina começou a carburar na segunda metade. As razões: algumas. Nova atitude contou. Mas, sobretudo, o recuo estratégico de Pedro Gonçalves que equilibrou as contas do miolo e, principalmente, fez com que o Sporting passasse a conseguir garantir a transição ofensiva. E, como tal, a provocar o natural recuo do adversário. É claro que o Sporting mostrou também algumas debilidades: guarda-redes e centrais (sem Gonçalo Inácio) com menor capacidade para sair a jogar. Que foram compensadas por exibições de arromba por parte dos laterais Quenda (movimentos interiores fantásticos = lance do primeiro golo) e de um Maxi Araújo que demonstrou uma tremenda evolução tática desde os seus primeiros tempos de leão ao peito.
É que há dois grandes elogios que se podem fazer ao Sporting: o primeiro é que o City foi goleado e até nem jogou mal; e o segundo é que Gyokeres, apesar do seu hat-trick, acabou por ser mais um elemento da estrutura e não o polo diferenciador que apareceu naquele momento chave a ditar o desfecho da partida. Ou seja, dizer-se que o Sporting depende da sua joia da coroa é uma falácia.
A João Pereira (presumível sucessor de Amorim) quase que bastará carregar no “play” e colocar as coisas a andar. Sem grande risco a nível interno: a presente temporada apresenta um fosso considerável entre os ditos grandes e as demais equipas, pelo que a enxurrada de pontos é expectável mesmo em circunstâncias de queda de rendimento dos leões. Contra o Benfica, Porto e Braga jogas assim, contra os outros é só carregar no botão. Está tudo no caderno.
Mas a questão é outra: o Sporting joga de uma forma tão peculiar, tão diferente de tudo, que contratar um treinador com outra ideia de jogo seria um verdadeiro harakiri. Sobretudo nesta altura. Uma fase mágica e épica protagonizada por um treinador que, nos festejos de ontem, até terminou da melhor forma a narrativa que escreveu e sempre comunicou de forma mais hábil e astuta que todos os outros. Amorim nem sequer é do Sporting desde pequenino – mas será um dos maiores leões de sempre!