Artigo de opinião de Gil Nunes.
Por que razão Bruno Lage optou por tentar agarrar um ponto a todo o custo em vez de discutir o resultado? A explicação parece simples: porque sabia que, jogando de outra maneira, o Benfica não tinha qualquer hipótese. Seria cilindrado. E o frio da questão até dá alguma razão ao técnico encarnado: o Benfica perdeu por um zero em Munique e o golo foi marcado aos 67 minutos. Não é vergonha nenhuma. E o Benfica é 19º da classificação da Liga dos Campeões, que até dá para chegar ao play-off. Objetivo mínimo. Porque o Benfica, nesta altura, não pode pensar tão alto como o Sporting.
Com o Bayern Munique a apresentar maturidade tática complexa e dois avançados a aparecerem na zona de finalização, o Benfica não podia mesmo ficar em inferioridade numérica na retaguarda. Daí que a opção pelos três centrais não tivesse sido propriamente descabida. Depois, há sobretudo a questão do novo: o Benfica não teve bola porque não está, ou ainda não está, propriamente habituado a promover uma circulação hábil em zonas recuadas, para que depois o processo de ataque possa ser desencadeado de diferentes formas: aceleração, profundidade ou entradas dos laterais pelos corredores. Acima de tudo, os encarnados precisam de trabalho e de terem a perfeita consciência de que estão, como também seria natural, uns furos abaixo de Sporting e FC Porto em termos de maturidade tática. Consequências da era Schmidt. Feridas abertas.
Trace-se um paralelo com o que aconteceu, por exemplo, na primeira parte do Sporting frente ao Manchester City. É certo que os leões nem atacaram nem conseguiram consolidar a transição ofensiva mas, no caso, tratou-se de uma situação de falta de afinação. Uma situação momentânea que o City sabia e temia em todos os momentos. No caso do Benfica, a situação é mais de inoperância: o Bayern tinha a perfeita consciência de que os encarnados não tinham capacidade coletiva para dar a pedrada no charco e tornear o rumo das coisas. A fortuna do acaso estava muito longe.
Depois, o Sporting tem Gyokeres. E Harder. E uma vantagem superlativa, mesmo quando está a ser apertado: a capacidade de passar a dominado a dominador num ápice. Foi assim que venceu o FC Porto em Alvalade. E os dragões também têm Samu (ou Gul) para este tipo de situações – golo diante do Hoffenheim, por exemplo. Acontece que o Benfica não tem um avançado com um perfil de terramoto – exploração agressiva da profundidade. O que provoca no adversário uma espécie de almofada de segurança para penetrar o último reduto dos encarnados com a certeza de que não será mordido no contragolpe. Mas aí entra-se na questão da composição do plantel: os encarnados investiram milhões em Pavlidis e Arthur Cabral – que são bons jogadores é certo – mas cujos perfis são adaptados à liga portuguesa mas insuficientes quando se pretende fazer a diferença noutros patamares.
É claro que a derrota diante do Bayern deverá acarretar uma hábil gestão comunicacional: não fica bem a um clube com a dimensão do Benfica passar o jogo todo remetido às cordas e a rezar para que o apito final trouxesse o tão almejado empate a zero. Por aí tudo bem. Por aí compreende-se o mar de críticas. Agora, há que ver as coisas de uma outra perspetiva: o Benfica que perdeu em Munique é a mesma equipa que, há cerca de um mês, encantava a Europa depois de ter goleado o Atlético de Madrid por quatro a zero. Nem o Benfica era a melhor equipa do mundo na altura, nem agora é a pior. E, depois, vem aí o clássico com o FC Porto: seria totalmente contraproducente chegar-se a domingo com as sequelas de uma goleada que, emocionalmente falando, daria uma invisível vantagem de um a zero aos dragões antes do jogo começar. No fundo, o que Lage fez foi jogar em dois tabuleiros. E até bem. Porque a liga portuguesa, como está este ano, vai decidir-se e muito naquilo que acontecer nos jogos entre os quatro grandes.
Seja como for, qual é a identidade do Benfica neste momento? Será que a tem? A explicação mais simples é mesmo a temporal. A contextual. O Benfica começou inexplicavelmente a época com Roger Schmidt ao leme e uma característica saliente: uma cristalização tática que fazia os encarnados jogarem quase sempre da mesma maneira – o tal 4x2x3x1 da primeira temporada do alemão – e que acoplava, por conseguinte, uma série de problemas camuflados: uma brutal resistência à mudança. O que, transposto aos dias de hoje, representa quase uma conta de somar: sempre que o Benfica tem de mudar o seu desenho, o Benfica treme. O Benfica vacila. E os adversários já sabem por onde morder. Por onde ferir.
Bruno Lage até faz o que pode: resguardou Di Maria, para que o argentino possa sofrer um menor desgaste durante os jogos; capitalizou centrais com outra capacidade para sair a jogar – Tomás Araújo – ao mesmo tempo que ensaia uma linha de três aproveitando e bem as características de Carreras; ou então tenta disfarçar a gritante falta de alas no plantel puxando Beste para novas zonas de expressão do seu jogo; ou cimenta Kokcu na sua zona, ao mesmo tempo que tenta puxar Akturkoglu para habitats mais centrais. Situações há três meses nunca trabalhadas ou experimentadas. Sim, o trabalho é hercúleo: não houve base de sustentação. Agora, é tempo de pragmatismo. As histórias muito lindas ficam para outras alturas.