
Artigo de opinião de Gil Nunes.
Não vai ser fácil substituir-se Rúben Amorim. E por vários motivos. No embate diante do Braga, dois saltaram à vista: o próprio carisma, que faz entre outras coisas com que a mensagem seja rapidamente assimilada e sem grandes hiatos ou reservas; e, por outro lado, a capacidade de corrigir os erros durante o jogo – o Sporting tinha tudo para perder na primeira parte e acabou por vencer e até de forma confortável. Porque o Braga, à semelhança do que fez diante do FC Porto, fez o trabalho de casa e sabia o que ia ter pela frente. Faltaram as pernas durante 90 minutos. Chave do jogo.
É que uma estratégia até pode estar muito certa e minuciosamente adaptada ao adversário, mas do outro lado está também alguém que pensa o jogo de forma clara. Que faz o mesmo. Que é astuto. Mas a capacidade de resposta, de leitura rápida das ocorrências e definição de um novo plano em função daquilo que está a acontecer – e sobretudo a ferir a equipa – levam Amorim para um outro nível que não é facilmente replicável. Nem ensinável. O dito faro de jogo que é a grande dúvida em relação ao capítulo seguinte, e isto sem se colocar em causa a competência de João Pereira. De facto, se o Sporting joga de uma forma tão rica e particular, só faz sentido que o próximo homem do leme seja alguém com profundo conhecimento da receita. E que não a vá mudar. Falta é perceber se João Pereira tem a capacidade de dar a volta por cima. De contrariar o erro que faz parte da natureza humana. É que foi assim que Amorim deu a volta no jogo da Taça de Portugal diante do Benfica, na temporada passada. Onde Schmidt até pensou bem. Ou, mais recentemente, que levou o Sporting à vitória diante do City. Ou que, feitas as contas, o levaram até ao comando do United.
Sobre o jogo, a presença de Bruma no corredor central fez com que o Sporting Braga atuasse de forma surpreendente, isto numa lógica de se trocarem as voltas e os eixos de marcação à linha média sportinguista e, por inerência, também a uma linha defensiva ainda não totalmente afinada. Sobretudo ao nível dos cruzamentos largos e das variações rápidas de flanco – como ficou bem assente no lance do primeiro golo onde, mais uma vez, ficou evidente que Debast ainda está em processo de adaptação a uma nova realidade tática.
Se, ao intervalo, o jogo caminhava para uma vitória tranquila do Braga, na segunda parte tudo mudou. Porque Amorim percebeu o fator x. Por muito que os arsenalistas estivessem bem organizados em todos os momentos do jogo, estavam também com dificuldades para manter a intensidade. Ou seja, estavam a quebrar fisicamente. Todos partidos.
E Amorim bateu na tecla certa. Utilizando três armas certeiras: a colocação de Harder na frente (linha de quatro na dianteira) com o principal intuito de carregar na profundidade (leia-se carregar na profundidade a todo o custo, e com o objetivo principal de massacrar); depois, o alargamento da linha média, também com o objetivo de alimentar os corredores mas, sobretudo, com a pedra assente de que os médios bracarenses ficariam mais confusos, teriam de correr mais e, logicamente, iriam começar a quebrar fisicamente. Como aconteceu. E o terceiro aspeto é o de sempre: a entrada de Gonçalo Inácio. O central leonino acaba por ser um dos melhores médios da liga e a sua ação de jogo, sempre em zonas altas, faz com que a diferença se faça a qualquer momento e o espaço apareça no meio do emaranhado de pernas. Assim aconteceu no golo do empate. Assim aconteceu nos últimos anos.
Em Braga, também se despertou um fenómeno recorrente – a confiança. É que Hjulmand até estava relativamente longe da baliza mas não apresentou qualquer dúvida nem hesitação na altura de disparar certeiro. Ou seja, é aquele irracional clique de confiança que é consequência de muitas horas de trabalho e de dissipação de todos os travões mentais que pudessem ser colocados naquele preciso momento. E o mesmo aconteceu com Harder poucos minutos depois. Não há coincidências.
É claro que ajuda, e muito, o facto do Sporting ser uma verdadeira máquina goleadora que, jogando bem ou mal, marcou 39 golos em 11 jogos da liga. E de ter, para além do melhor marcador da liga Gyokeres, também o jogador com mais assistências – Trincão com oito passes para golo. Só falta Pote. Rùben Amorim deixa a João Pereira provavelmente um dos melhores trios ofensivos da história do clube e que atualmente apresentam a capacidade para jogar de olhos fechados. E para resolver problemas à primeira vista mais complicados.
O grande desafio de João Pereira será o de manter as premissas do passado mas também o de mudar algumas pedras em face do seu pensamento. Nem que seja por uma questão contextual: o fantasma do clone é perigoso e, a longo-prazo, revelar-se-ia absolutamente fatal. Seja como for, o grande desafio reside no montante da tática: na vertente emocional. Capacidade de injeção invisível de confiança; de dar a volta por cima quando as coisas não correrem de feição; ou de manter uma mensagem segura e preventiva quando um novo Gyokeres decidir fumar uma shisha numa discoteca de Lisboa. É por aí que se ganham todas as ligas do mundo.